Vódeda, eu te amo você


Crônica relacionamento vovó e netinha


Eu, que fui mãe tarde na vida – quase aos 40 – não estava achando que antes dos 60, poderia me tornar avó. Mas quando a gente combina as coisas com o destino não adianta correr e nem disfarçar, porque ele vem nos cobrar com as escrituras todas assinadas.

E assim aconteceu. Minha afilhada – filha da minha melhor amiga da vida – me pediu para eu ser avó de sua filha que tinha acabado de nascer.

No momento do pedido fiquei meio perdida, porque até então eu era a tia. A tia que foi na consulta médica para saber o sexo. A tia que curtiu cada detalhe da arrumação do quarto. A tia que ajudou a escolher o enxoval. A tia que trouxe presentes.

E enquanto eu olhava para o rostinho daquela menininha que acabava de ser colocada nos meus braços, eu pensava que eu não seria só mais uma tia pra ela, eu seria a sua avó. E a partir daquele momento eu comecei a me apaixonar mais e mais por ela.

Como avó eu fui participando de tudo. Do primeiro dentinho. Do engatinhar, dos primeiros passos, das primeiras palavras, dos primeiros sorrisos, das primeiras gargalhadas, e também dos primeiros mergulhos na piscina – dane-se Vódeda, se a piscina está gelada, azar o seu...

No meu colo ela dormiu inúmeras vezes quando bebê, parecia que tinha sonífero nas minhas roupas e eu confesso que adorava quando isso acontecia.


Valentina – o nome dela – do alto de seus 2 anos e 10 meses, fala muito. Tem personalidade forte, chega, chegando, vive roxa, porque bate em tudo que tem na sua frente (a ação não consegue acompanhar seu raciocínio rápido).

Adora cantar e acha que sabe dançar. Pois se alguém perguntar para a minha mãe, tia ou tio, como eu era quando criança, todos eles com certeza, vão descrever uma menininha igualzinha à Valentina, porque eu era assim, sem tirar nem pôr (até eu acho, das poucas coisas que lembro). Coisas de Deus, dos destinos escritos e sacramentados, como já disse.

Ela me anima, me faz rir, me faz pensar em coisas boas

Agora na quarentena, tenho visto muito pouco a Valentina. Bem menos do que antes, e muito menos do que eu gostaria, porque ela me anima, me faz rir, me faz pensar em coisas boas, me faz entrar no mundo do faz de conta e me faz de boba... Sim, ela me faz de boba, claro, e eu não tô nem aí!

Todos os domingos, depois que eu e a outra avó dela terminamos um curso on-line, eu faço ligação de vídeo para falar com a Valentina. É um momento só nosso.

Ela me leva para brincar embaixo da mesa, me revela seus medos do escuro, me mostra todos os seus brinquedos, mesmo que eu só esteja vendo o teto, já que ela colocou o celular no chão para poder pegar os brinquedos e de vez em quando, coloca o rostinho na tela só pra ver se o meu rosto também está lá.

Também pede pra eu abrir a boca porque vai me dar a comidinha que acabou de fazer, me faz escolher coisas sem que eu esteja vendo e fica nervosa se demoro muito pra escolher. Mas desse nosso encontro virtual o que fica na minha cabeça, ecoando feito um sino, é a palavra Vódeda, que ela usa milhões de vezes, e às vezes só fala por falar.

- Vódeda, Vódeda???

- Oi Valentina tô aqui.

- Oi Vódeda. E pronto, era só isso. Só para falar meu nome.

A última vez que fiz chamada de vídeo ela começou a falar como se não houvesse amanhã. Falou muita coisa e tudo rápido, daí olhou para a tela do celular e disse com todo seu jeitinho lindo:

- Vódeda, eu te amo você, Vódeda.

É claro que ela não sabe o significado de amar, do que é o amor, mas eu sei. E quando ela falou aquilo, meu coração ficou agitado de felicidade e eu queria eternizar isso na minha mente, na minha vida.

Por isso resolvi escrever, para deixar marcado nas escrituras. Para o destino saber que eu simplesmente adorei esse combinado que nós fizemos. Valentina pra mim é uma menininha que veio para mudar algumas situações que ficavam sempre dentro das caixas e que precisavam, no mínimo, levar um ar.

Ela é intensa, adora quando alguma coisa dá errado só para ela rir alto e tem um coração imenso. E eu, que tão cedo achava que não seria chamada de vó, eis-me aqui com uma Valentina na vida, que não só me chama de vó, como me ama eu.

Edna Petri é jornalista e está sempre atenta aos pequenos encantos do caminho.
Foto: arquivo pessoal 

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