Glória Maria: uma mulher e sua guerra contra o rótulo da idade

Mulher sorridente, apoiada em parapeito de vidro com o mar ao fundo
Reprodução Instagram: @gloriamariareal

Sem idade para morrer, Gloria Maria partiu. Uma partida que instalou comoção entre colegas de profissão e fãs. Nas muitas notícias sobre a mulher negra, exuberante, que quebrou paradigmas, a idade foi um dos recortes mais abordados.

Eu mesma já resmunguei, em algum momento, contra isso que considerava um capricho bobo da jornalista; pensava que idade era uma coisa a ser ostentada com orgulho, pois estar vivo é uma dádiva e quanto mais tempo melhor.

Pensava. Mas, conforme meus fios de cabelos brancos se tornaram incontáveis, pude perceber o provável viés desse segredo. Talvez não fosse capricho. Certamente não era.

Para as mulheres, os números da idade são sim uma questão estabelecida através dos tempos, em todas as culturas, como um prazo de validade cruel que pretende determinar do que somos capazes e até quando.

É uma questão que pode estar intimamente ligada ao período de capacidade procriativa - coisa que a ciência já jogou para escanteio há um bom tempo. Mas o preconceito chegou primeiro e insiste em manter assento na primeira fila.

Assim, a questão da idade segue em evidência com a missão de nos tolher a liberdade de trabalhar, amar, namorar, vestir sair curta, usar batom vermelho, ser promovida no trabalho, escolhida para a transferência a outro país e por aí vai.

Sem contar que antes da chegada dos cabelos brancos as mulheres já enfrentam o problema da idade reprodutiva. Também uma questão desdobrada em outras tão misóginas. Como ela vai cumprir horários se precisa amamentar? E quando o filho ficar doente? E a licença maternidade? Como essa mulher saiu de casa pra dançar se ela tem filhos? Enfim, as trajetórias femininas estão muito ligadas aos números da idade e a fase reprodutiva, fiscalizadas de perto pela sociedade.

Não, não é mimimi. Pontos fora da curva existem, claro. Empresas que apoiam as mães trabalhadoras, mulheres que trabalham por conta própria e alcançam grande sucesso (não vamos falar de jornadas de trabalho triplas porque já é outra parte da história), etc, mas a regra ainda é o preconceito.

E de preconceito Glória Maria entendia. Mulher, negra, de origem humilde, agarrou cada oportunidade que passou diante dela e fez uma carreira brilhante. Tinha muito pra contar, ensinar e muito por fazer a cada dia de sua existência. Por que, então, falar sobre a idade e permitir, mesmo por um segundo, que isso a definisse?

Se a idade limita as mulheres em tantas áreas da existência, Glória Maria se posicionou contra isso e apregoava, em cada oportunidade, ser livre e que exercia a liberdade aprendida com a sua avó, que, ao contrário da neta, partiu centenária. Cada um com sua jornada.

Não é qualquer repórter que vira pauta, acho mesmo que nenhum de nós quer ser a pauta. Nosso barato é contar as histórias dos outros. E dar voz a quem não tem. É mostrar o que se quer escondido se isso prejudicar a terceiros. É também compartilhar o que é belo com o maior número de pessoas possível.

É andar na corda bamba, provar novos sabores, pular de prédios com segurança, se misturar à multidão de uma cidade para absorver a atmosfera do lugar, testar limites e contar ao mundo o que sentiu, ou mesmo ficar sem palavras e transmitir a emoção com a expressão do rosto.

Glória Maria Matta da Silva fez tudo isso, por muito tempo e com tal competência que foi impossível não virar uma pauta extensa ao se despedir.

Tão logo ela entrou para o panteão dos eternos, porém, quase todas as publicações, seguindo uma regra de registrar nascimento e morte, estampou a idade de Glórias nas reportagens. Você pode discordar, mas eu penso que, por respeito a uma escolha em vida, a regra poderia ter sido quebrada; como tantas que ela quebrou. Valeu, Glória e obrigada por tanto.

Mulher de cabelos grisalhos, sorridente, usando óculos
Maria D´Arc é jornalista


 

Postar um comentário

0 Comentários