O calor era de cozinhar os miolos na cidade à beira mar. Dentro do restaurante poucos clientes ocupavam as mesas, por conta da tarde adiantada, mas o frescor do ar-condicionado convidava a uma esticadinha do horário do almoço. Eu já estava na pequena fila do caixa, à espera da minha vez para fazer o pagamento, quando os notei pelo movimento que fizeram ao se levantar.
Ambos se levantaram de forma surpreendentemente ágeis, levando-se em conta seus corpos de aparência frágeis na evidente idade avançada. Ambos com cabelos fininhos e brancos, magrinhos. Porém, com rostos corados e a expressão de gatos satisfeitos e tranquilos após a refeição.
De mãos dadas, caminharam a passos lentos em direção à porta, mas eis que ela solta a mão do companheiro e acena ao garçom, um pouco mais novo, mas também idoso. E ela diz: — Até mais, Marcos. Estava tudo ótimo como sempre. O cumprimento amigável apontou que o casal era assíduo no restaurante. A voz melodiosa e alegre revelou a menina moradora do velho corpo. O companheiro da ‘menina’ acenou ao garçom também sorrindo.
Aquele pequeno instante de duas vidas foi lindo. Confortaveis em suas rotinas. Felizes em seu pós-almoço, simplesmente. Não significa que não tenham problemas; de saúde, de família, de burocracia e impostos, de manutenção da casa. Mas naquele instante tudo era perfeito.
Paguei minha conta e fui embora. Sem saber se foram simpáticos com a moça do caixa; sem descobrir se caminharam ao sol escaldante por alguns metros até uma casa próxima ou se entraram em um carro estacionado por perto. Achei perfeito assim. Fiquei só com a delicadeza daquele pequeno recorte do tempo de suas existências e com a lembrança do som da voz jovial e gentil da mulher.
Abrindo a porta do meu carro, que mais parecia um forno após a exposição de uma hora ao sol, eu sorri comigo mesma, me apropriando um tiquinho só da paz que os dois emanavam. A harmonia anda tão rara ultimamente. O meu dia foi melhor apenas por tê-los observado com atenção.
Maria D'Arc é jornalista
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