O Dia da Marmota

 Marmota olhando para a frente

Eu já assisti ao filme Feitiço do tempo, diversas vezes nas últimas décadas. E prefiro o nome original, Dia da Marmota. A divertida tradição americana foi muito bem embalada no filme estrelado por Bill Murray, lá no início da década de 90.

Na história, que, acredito, pode ser definida como comédia romântica, um jornalista é encarregado de cobrir o Dia da Marmota, que se comemora em 2 de fevereiro, em uma pequena cidade.

A ideia da pauta e da tradição é simples: se a marmota sair da toca e gostar de ficar lá fora, a primavera chegará mais rápido; caso ela retorne logo para o esconderijo, o inverno será rigoroso e longo.

O personagem que se considera um grande astro, mas está meio longe disso, não gosta nada da ideia de ser despachado para a cobertura do evento, que considera de menor importância. Ele é antipático, egocêntrico e trata os colegas e os habitantes da cidadezinha com desprezo.

No período em que está na cidade, alguma coisa acontece e ele passa a viver o mesmo dia, repetidamente. Por mais que ele faça coisas diferentes, no dia seguinte tudo começa de novo. Como o garoto arteiro e distraído que não aprende a lição e repete de ano. Um castigo.  

E, claro, no final das contas, as coisas só mudam quando ele muda sua postura diante do mundo. Pra saber mais, assista ao filme rs.  

Nosso dia da marmota começou em 24 de março de 2020

Hoje bem cedinho, fiquei zapeando a tv antes mesmo de sair da cama e vi que um dos canais estava divulgando um dia inteiro repetindo o filme Feitiço do Tempo. Mesmo sendo fã, eu achei uma maluquice total, mas assisti um pouco pra matar a saudade.

E é quase impossível não fazer uma comparação com o que vivemos atualmente. Com pequenas variações, vivemos o dia da marmota. 

Um terrível dia da marmota, no qual se repetem os noticiários, os filmes e até as novelas. Afinal, o canal repetindo o dia todo o mesmo filme só elevou um pouco a potência do que já vivemos.

Nosso dia da marmota chegou em 24 de março de 2020 e o pior é que, ao contrário do personagem, ainda não aprendemos quase nada. 

Apesar das mortes e internações, as pessoas não respeitam distanciamento e se aglomeram até em casa dizendo que “são só poucas pessoas”, que é só gente da família, mas esquecem de combinar com o vírus.

Não acreditam que a máscara pode ajudar e ficam nas redes sociais babando negacionismo e ai de quem se meter a contestar. Na melhor das hipóteses terá a sensação de esmurrar uma parede, andar em círculos, se repetir (repetir é a palavra de hoje, 'guenta' aí); na pior, provavelmente será xingado de jumento pra baixo. Nada contra os jumentos. É um bicho bem simpático. 

E quem é que ainda aguenta ouvir leigos debatendo se cloroquina funciona ou não funciona? Aliás, quem ainda aguenta a repetição nas redes (ou seriam ringues?) sociais?

Vivemos a repetição dia após dia da ignorância voluntária e idolatrada.

Se minha avó voltasse pra cá hoje e observasse isso tudo acontecendo, certamente colocaria as duas mãos na cintura do corpanzil e exclamaria, espantada, em bom nordestinês: ‑ Mas menina, que marmota é essa?

Mulher grisalha usando óculos
Maria D´Arc Hoyer é jornalista

Marmota: Photo by Amaya Alvis on Unsplash



 

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