Ilustração com foto do Canva |
Em 31 de março de 1983 uma centena de pessoas se reuniu no município de Abreu e Lima, em Pernambuco, para reivindicar eleições diretas a Presidente da República. Aquelas 100 corajosas pessoas que deram início ao histórico movimento Diretas Já, queriam apenas votar para presidente. Algo que hoje parece tão simples que muitos se veem no direito de banalizar tal conquista.
E eram pessoas muito corajosas porque foram às ruas correndo o risco de repressão pesada, diante do regime ditatorial militar, onde atos considerados subversivos eram reprimidos, com sorte, a borrachadas. O cassetete comia solto no lombo dos atrevidos.
A semente plantada lá na região metropolitana de Recife brotou tímida, mas forte. O segundo ato, em Goiânia, juntou 5 mil pessoas e o quinto, em São Paulo, somou 15 mil. Muitos outros atos brotaram pelo Brasil afora. A passeata de 1 milhão e meio de pessoas, em São Paulo, só viria a ocorrer pouco mais de um ano depois, em abril de 1984.
A multidão em São Paulo despertou de vez a preocupação do, então, presidente militar, João Figueiredo. E o resultado foi mais censura contra a imprensa, prisões e repressão policial. Mas, a essa altura, o trem do movimento 'Diretas Já' havia partido e estava lotado de gente que gostava e se sabia capaz de escolher o próprio destino e, por isso, rejeitava o regime militar. O direito ao voto para presidente chegou, finalmente, em 1985. Há 37 anos, somente.
Nossa democracia, em todo seu esplendor, nem chegou aos 40 anos e é estarrecedor assistir hoje uma campanha eleitoral que é um show de horrores. Onde pouco podemos saber das propostas dos candidatos. Queiram ou não as torcidas organizadas de cada lado e também do povo em cima do muro, um dos dois candidatos vai governar o país.
Então, é muito desanimador que o período de campanha não seja utilizado para falar de propostas e programas de governo. É triste que as duas campanhas se utilizem, principalmente, do medo para conseguir votos. Pior, boa parte desse medo é criado a partir de mentiras; que você pode chamar de fake news, se preferir.
Nos empurram goela abaixo uma campanha eleitoral em que o estado laico não existe. Uma eleição na qual religião ocupa mais espaço na pauta do que saneamento básico, meio ambiente e economia. Uma eleição em que se gasta tempo afirmando a postura de um e outro sobre o aborto, em vez de se falar de saúde pública.
Uma eleição na qual os golpes abaixo da cintura são a regra e palavras como ladrão e assassino estão em maior evidência do que educação, trabalho e respeito. Uma eleição que é um retrocesso no qual todos, sem exceção, perdemos.
Como nação, estamos jogando fora o presente valoroso que aquelas 100 pessoas, lá de Abreu e Lima, membros do PMBD (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), deram ao Brasil. O di-rei-to não apenas de votar para presidente, mas também de discutir política em casa, nas ruas e nas redes sociais; de conviver com as diferenças, viver e deixar viver.
E desprezamos essa conquista quando compartilhamos uma fake news pelo whats app, sem conferir e nem se preocupar com o resultado do ato medonho de mentir, só porque a mentira que lemos confirma nosso viés de mundo.
Atiramos no lixo a conquista do direito ao voto e à liberdade de expressão quando agredimos, física ou verbalmente os profissionais da imprensa. Pisamos em cima do amor ao próximo quando armamos uma briga na frente de um templo religioso para defender esse ou aquele candidato. Somos cúmplices de todas essas atitudes asquerosas quando calamos diante de tais fatos e fazemos de conta que não é com a gente.
Aquelas 100 pessoas, lá de Abreu e Lima, ao defender o voto direto para presidente estavam defendendo também o direito à livre expressão, o direito de ir às ruas defender uma ideia, de cobrar resultado do governante, seja ele quem for.
Mas ao esquecer o valor dessa conquista e formar torcidas barulhentas e desorganizadas, que em lugar de promover debates diplomáticos e educados preferem esbravejar, xingar e agredir estamos seguindo ladeira abaixo, em queda livre, como democracia e seres humanos.
Por isso, haja o que houver dia 30 de outubro de 2022, todos já perdemos as eleições.
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