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| Imagem criada com o ChatGPT |
A vista fica embaçada, levemente turva, e eu logo penso em lavar os óculos na esperança que a falta de clareza seja apenas lentes engorduradas. Mas não, o borrão continua lá. Nada que impeça as atividades ainda, embora já provoque certo desconforto. Mas é a prova de que a enxaqueca está se instalando e é bem provável que os próximos três ou quatro dias virem um período sem grande utilidade, pois estarei enroscada debaixo de cobertas ou me arrastando pela vida, enquanto me esforço para controlar a sensação de enjoo, fazendo parecer que estou normal, quando a vontade é apenas enfiar a cabeça em um buraco até a dor e o mal estar passarem.
Quando começo a enxergar melhor os outros sintomas vão tomando o palco da minha vida. No meu caso, são coisas como queimação no ombro esquerdo que se estende até a lateral do pescoço e, às vezes, uma leve dormência no braço. A irritação fica difícil de controlar. A sensibilidade a qualquer cheiro faz o nariz de um enxaquecoso(a) dar inveja a qualquer perfumista.
Descobri há pouco tempo que essa fase é chamada de pródromo, o início dos sintomas da crise de enxaqueca, que não são iguais para todo mundo, mas têm semelhanças. Em outro momento vamos explorar um pouco mais sobre as fases da enxaqueca e falar também sobre o nervo trigêmeo e como ele entra nessa história.
Ainda na fase do pródromo é bem comum o aumento da frequência urinária e uma sensação de cansaço que leva a muitos bocejos. A crise aumenta e a claridade se torna insuportável, os barulhos, mesmo os mais distantes, parecem estar ao meu lado. Se forem repetitivos então, como um bate-estaca em uma obra, é o equivalente a um martelo sobre a cabeça. Se nenhuma providência foi tomada para barrar a crise nos primerios sintomas do pródromo (às vezes, um remédio bem no iníciofunciona), a enxaqueca se torna dona do meu corpo, da minha vida e da minha história pelo tempo que achar conveniente. Será uma fase de dores pulsantes nas têmporas, rigidez no maxilar, dores na arcada dentária superior e mal estar que pode evoluir para vômito e diarréia. Convenhamos, enxaqueca não é só uma dor de cabeça.
A dor e o mal estar podem durar algumas horas ou dias. A última crise que enfrentei me tirou de combante por longos três dias. Quando os sintomas começam a sumir, temos a sensação de começar a sair de um longo túnel escuro e frio. E só a gente sabe como é bom quando a primeira respiração sem desconforto enche os pulmões.
Na crise, o doente de enxaqueca aceita qualquer mezinha
A disposição abandona o corpo e tudo que se quer é ficar em um local pouco iluminado, em silêncio absoluto, e com os pés bem aquecidos, porque a circulação periférica fica prejudicada e os pés viram pedras de gelo.
Diante disso, qualquer remédio que possa dar fim ao martírio e tirar da crise se torna aceitável. E as farmácias estão cheias de promessas de cura rápida que podem funcionar por um momento, mas com o tempo exigirão doses cada vez maiores e mais frequentes, porque o seu cérebro quer fugir da dor a qualquer custo. E esse custo será o círculo vicioso do abuso de analgésicos e anti-inflamatórios para tentar curar o que não tem cura.
Foi esse círculo que uma vez me levou ao hospital com uma crise alérgica por dipirona. Alergia que hoje não me permite tomar os analgésicos e anti-inflamatórios não esteroidais, os AINEs. As alternativas passam por corticóides e triptanos, dos quais também não é bom negócio abusar.
Incompreensão e descaso contribuem para irritar mais a enxaquecosa(o)
Um dos grandes problemas da enxaqueca é as pessoas à nossa volta - família, amigos e colegas de trabalho - pensarem que se trata apenas de uma dor de cabeça. Que é só tomar um remédio que passa. Que estamos exagerando em busca de atenção, talvez. Quem nos dera.
A maldita enxaqueca é doença crônica, como tantas outras. Entendam isso, por favor. Os gatilhos, motivos para desencadear a dor, são os mais variados e diferentes de pessoa para pessoa. Englobam, por exemplo, cheiros, alimentos diversos e até mudanças bruscas de temperatura. É muito difícil, talvez impossível, evitá-los.
Quem entra em crise está em sofrimento sério. A sensação é de que as têmporas estão sendo pressionadas sem dó. Parece que o coração mudou de lugar e agora bate em um dos lados da cabeça. É possível ver a pulsação e quem a sente pode ouví-la em alto e bom som, dentro da cabeça, quando tentar descansar no silêncio. Imagina a agonia que isso dá, ainda mais associado à dor e ao enjoo?
Se alguém próximo a você sofre com enxaqueca, seja solidário com a pessoa. Ajude-a a se afastar do que aumenta o sofrimento e respeite o tempo que ela precisar ficar afastada do convívio. Não fale alto, não ligue aparelhos de som em volume alto. Ofereça um chá de hortelã ou erva-doce que podem ajudar a acalmar o estômago e o enjoo. E fique atento, conforme o caso, pode ser necessário acompanhar a pessoa até um serviço de emergência médica.
Os médicos de emergência, conforme minha experiência pessoal, não têm muito conhecimento do tema e, segundo me disse um neurologista, nem mesmo existem aulas específicas sobre enxaqueca nas faculdades de medicina. Ela é abordada dentro do espectro amplo das cefaleias. Mas os médicos farão o possível com um algum potente coquetel de anti-inflamatório, analgésico e antieméticos, para cortar o enjoo e tirar a pessoa da crise.
Por agora é isso. Mais posts virão para falar dos muitos outros perrengues desse mundo da enxaqueca que eu adoraria não conhecer.
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| Maria D'Arc é jornalista |


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