Cada dia a mais é um dia a menos

Sala de espera de hospital com imagem desfocada
Foto/Freepik

A atendente da recepção do ambulatório chama pela terceira vez a senha já indicada pelo bip no monitor digital, acima das mesas de atendimento. Afinal, um senhor se levanta e caminha devagar, arrastando de leve os pés, por entre a sala lotada, desviando-se de cadeiras, para chegar à mesa, completar a ficha e poder passar pelo médico. Vai revisar o marcapasso.

No atendimento, ele explica não ter acompanhante. Diz que mora sozinho e veio no carro da prefeitura. Aparenta ter por volta de 80 anos. Viver muito, mas sozinho, será dadiva ou castigo? No ambiente inóspito dos balcões e assentos higienizados e assépticos, a paciência da atendente orientando o velho homem é comovente se prestarmos atenção na entonação de cada palavra, que espera ser absorvida antes de abrir caminho para a próxima. No entremeio das respostas ele vai acrescentando informações sobre sua solidão. Quem sabe quanto tempo passa sem a oportunidade de conversar com alguém?

O burburinho na sala continua. Eu me desligo, afinal, daquela história e passo a pensar em todas as outras. Observo a sala com tantas pessoas em manutenção da saúde e a variedade de especialidades médicas exposta no painel, que volta e meia elege o próximo da fila a ser atendido. Pessoas em tratamento, que travam suas guerras silenciosas contra câncer ou insuficiência cardíaca; nos corpos frágeis as vontades férreas que ainda alimentam sorrisos. Gostaria de poder ouví-las. Segurar alguns pares de mãos. Dar abraços. Alguns casos podem ser bem sucedidos no tratamento, muitos outros não. E é assim que é.

Fato é que cada um enfrenta a adversidade de um jeito próprio. Ignorando e seguindo. Se curvando sob o peso do medo do inevitável. Agradecendo o que já teve e ainda pode ter no tempo que resta. Amaldiçoando o que recebeu, do início ao fim. Oportunidades perdidas ou aproveitadas. Tantas histórias, tanta vida desfila por um ambulatório de doenças graves.

Disfarçadamente eu observo os rostos abatidos pela enfermidade e as expressões de preocupaçcão disfarçada dos acompanhantes. Alguns solicitos e cuidadosos, outros, no entanto, impacientes e de olho no relógio que lhes cobra o retorno urgente às obrigações impostas pela sociedade dita produtiva.

Minha mãe, que divide os dias entre agradecer e resmungar, é atendida e liberada. O marcapasso que a mantém ativa segue ainda firme. Ainda bem, pois seu coração já não bate há alguns anos. Saímos para a rua na manhã cinzenta e enevoada de garoa. Viver é esperar o brilho do Sol, que nem sempre vem. Cada dia a mais, um dia a menos. Por hoje, seguimos.

Mulher grisalha, sorridente, usando óculos de armação preta
Maria D'Arc é jornalista


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