Réquiem para gigantes indefesos

Imagem mostra troncos de árvores recém-cortadas, em meio a galhos e máquinas.
Foto: Maria D'Arc

Talvez elas pensassem ser eternas a medida em que tinham garras poderosas fincadas ao solo, desafiando os limites do asfalto paralelo, e por forrar o solo em seu entorno com camadas de sementes e folhas secas para lhe servirem de adubo, alimento para seguirem fortes.

Suas silhuetas abundantes preenchiam a paisagem, tingindo um recorte no céu com verde escuro brilhante. Mas se a beleza da imagem não bastasse, elas tinham galhos fartos de folhagem densa,  necessários aos pássaros, morcegos e inúmeros insetos. As três imensas figueiras, sombreando a praça, eram forasteiras, vindas de terras distantes, mas já haviam se afeiçoado ao chão que ocupavam. 


Doentes não pareciam estar. Mas, decerto, atrapalhavam os confortos que os seres humanos julgam mais necessários e importantes do que o ar para respirar. Coisas como calçadas sem folhas ou trincas e fios de energia correndo livres pelo céu, com mais direitos que os pássaros.


Enquanto observo, os roncos das motosseras e do picador de troncos reverberam pelo ar, em uma sinfonia macabra que faz meu estômago ficar inquieto. A consciência do que fazemos como humanidade dói. Mas nem todos têm consciência.


Ao fim do trabalho dos funcionários da prefeitura, dos gigantes sobrou apenas pó. Depois nem isso haverá. Com sorte, a serragem dos troncos adubará outras árvores. 


Por alguns dias fantasiei que o local das estrangeiras fosse ocupado por mudas de ipês, pau-brasil; quem sabe até uma paineira; árvores nativas do Brasil. Mas o sonho se esvaiu rápido. As equipes retornaram em poucos dias com uma betoneira e sobre o concreto, que impermeabilizou o chão da praça, plantaram apenas dois bancos de madeira morta, expostos ao sol e chuva inclementes. Parece loucura, não é? Há quem peça o corte da árvore e existe quem concorde com isso e ache boa ideia concretar o chão de uma praça. 


Se todos soubessem o valor que tem uma àrvore ninguém jamais reclamaria de varrer suas folhas e flores. Ou, simplesmente, deixaria que se acumulassem por algum tempo, aceitando a vida como ela é. E que somos parte do todo maravilhoso da natureza e um dia seremos varridos também.


Mulher de cabelos grisalhos, sorridente, usando óculos de armação preta
Maria D'Arc é jornalista


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