07 de junho de 2020, um domingo de pandemia na capital paulista, Brasil. Meu nome é Warley Kenji, sou fotojornalista, tenho 34 anos e sou colaborador da agência alemã de notícias DPA International, morador de Mogi das Cruzes, região metropolitana de São Paulo.
Desde o começo da quarentena fiquei a cargo de cobrir, a princípio, a pandemia em minha cidade. Como os casos de Coronavírus foram tomando vidas em território nacional e a população que é contra o governo Bolsonaro (sem partido), foi tomando as ruas minha área de cobertura foi expandida.Milhares de brasileiros que não aguentam mais tanto descaso, sem contar o racismo em que o país vive, o feminicídio, machismo, homofobia e outros tantos preconceitos visíveis cada vez mais em nossa cara, furaram a quarentena para protestar.
No ultimo dia 25 de maio, um homem americano e negro George Floyd foi morto em Minneapolis por um policial branco que pressionou o joelho em seu pescoço, causando assim a falta de ar que o levou a óbito. Logo, começaram os protestos que mobilizaram pessoas no país inteiro em revolta.
Não demorou pra isso chegar no Brasil. Primeiro a torcida do time do Corinthians foi a avenida Paulista, em 31 de março, e gritou por democracia e contra o governo. Foram dispersados sob repressão.
Máscara de gás: “Hoje você não vai precisar”
Eu ainda não tinha saído de Mogi, mas quando fiquei sabendo da próxima manifestação programada para o domingo, dia 07 de junho, - Dia da Liberdade de Imprensa - eu me escalei e fui cobrir o protesto com meu amigo e parceiro Pedro Chavedar, fotojornalista.
Fomos de trem, conversamos muito, levantamos algumas possíveis ações e prevenções, e pensamos no que tudo aquilo que estava por vir teria de impacto.
Chegamos a São Paulo e fomos direto para a Avenida Paulista ver o movimento por lá e almoçar. Havia um grupo bem pequeno de Bolsonaristas e muita polícia, algumas partes da avenida estavam bloqueadas por PMs.
Fomos barrados em uma das esquinas e nos revistaram; logo fomos liberados. Um policial me perguntou o que havia dentro do meu capacete, eu disse que era uma máscara de gás. Ele rindo me respondeu: hoje você não vai precisar disso. Pensei comigo, isso é o que ele diz, pois nunca é assim; nós sabemos disso.
Em seguida fomos direto para o Largo da Batata, onde o ato se concentrou. Lá havia muitas pessoas, entre elas eu notei muitos médicos voluntários distribuindo álcool em gel, máscaras e alguns informativos pra galera se proteger.
Durante algum tempo muitos representantes de torcida de times, da música e de movimentos de luta contra o racismo e fascismo falaram em um carro de som, e receberam muitos aplausos acompanhados por gritos de ordem.
O clima esquenta
O grupo começou a tomar as ruas em sentido a pinheiros, pensei que queriam ir para a Avenida Paulista, embora tivesse uma ação judicial proibindo que fossem lá, mas mesmo assim os manifestantes seguiram pelas ruas e o clima foi esquentando bastante.
Me senti de volta às jornadas de junho de 2013, senti isso. Logo à frente havia um bloqueio da Polícia Militar e o batalhão de Choque. Houve muitas discussões e negociações entre lideranças de movimentos, advogados e policiais. Foram longas horas de muita tensão e clima pesado; eu estava pressentindo algo pior.
Em dado momento os policiais, estranhamente, largam os escudos e vão para o canto da rua. A galera grita e começa a voltar, o Choque estava a postos para o primeiro tiro.
Helicópteros sobrevoavam as ruas acima de nós. Em pouco tempo ouvimos o primeiro tiro vindo da PM. Foi correria pra todo lado e a imprensa se posicionando para se proteger e registrar a ação que ficava violenta, com bombas de efeito moral lançadas e tiros com bala de borracha.
A polícia desce marchando as ruas que o movimento subiu e mais tiros foram dados. Em um quarteirão próximo já estava tendo apreensões. Alguns amigos meus estavam lá cobrindo isso. Em vários momentos a fileira de policiais girava em seu eixo se colocando de frente para nós, tínhamos que nos deslocar para os tiros não pegarem em nós.
O gás faz arder os olhos, dá enjoo e dor de cabeça
O gás das bombas fazia arder os olhos, o nariz, garganta, dava enjoo e dores de cabeça, o rosto inteiro lateja nessa situação. Eu estava com máscara contra gás, mas não foi suficiente pra segurar.Vi amigos passando muito mal e pessoas nas janelas gritando ‘atira mesmo nesses vagabundos’. Outros gritavam ‘fora Bolsonaro’. Eu acabei sendo atingido por uma bala de borracha (não percebi na hora) no lado direito do abdome. Não foi mais grave porque pegou primeiro na bolsa e eu usava duas camisetas.
Por fim, as ruas ficaram vazias e as pessoas se dispersaram. Foram 12 longas horas de cobertura; os olhos estavam vermelhos e a cabeça forçando o raciocínio para que eu pudesse mandar o material para a agência.
Era o fim de um longo e duro dia de trabalho. Indo para estação Luz, a caminho de casa, trocamos as luvas, limpamos as mão com álcool gel, e o trem nos levou para Mogi das Cruzes em uma hora e meia de viagem.
Havíamos saído de Mogi às 10:30 e voltamos às 22:40. Em tempos de covid-19, quando chego de uma cobertura em casa vou direto ao banheiro, tiro toda a roupa e as coloco direto em um balde com água para lavar, tomo banho e depois higienizo todo meu equipamento, incluindo o celular, carteira, sapatos e todos os cantos que eu toquei. Sem esquecer de desinfetar o banheiro, pois moro com minha mãe que é do grupo de risco e não enxerga, preciso protegê-la e me proteger para continuar cuidando dela.
Esse, foi o meu domingo, na cobertura do ato que pede o fim do racismo, fascismo e do governo que fecha os olhos para os nosso povo que morre um a cada minuto.
Warley Kenji
Repórter Fotográfico
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