Tenho a sorte de ter um janelão no meu quarto, ou, se você preferir, uma porta-janela. Nesses tempos de quarentena, entendo que é um privilégio ter um local assim para trabalhar.
Eu trabalho um bocado, em atividades que não vêm ao caso aqui, mas, embora raros e curtos, nos momentos de folga sempre que posso aproveito a paisagem, quase toda de céu com uma borda inferior de montanhas e alguns telhados.
E, a não ser que o sol esteja quente e a pino, sempre há por lá algo para ser apreciado. Com o tempo vou entendendo - sem nenhum embasamento científico, só coisa da minha cabeça mesmo rs - que cada espécie de pássaro tem seu horário de voo, como se organizassem turnos.
Logo cedo, bem cedinho mesmo, é comum ver os pardais deixando telhados e algumas árvores próximas, após chacoalhar as asas e catar sabe-se-lá quais parasitas debaixo delas.
Eles são seguidos pelas andorinhas. Algumas delas moram em minha varanda. Sem pagar aluguel, se acham no direito de usar o parapeito da varanda como penico.
Não me importo. São boa companhia no fim de tarde, quando retornam das atividades do dia, sentam-se na viga antes de se acomodar no ninho, e me observam solenes em sua roupagem solene preta e branca. Tem dias que até troco umas ideias com elas, ou pelo menos tento. Elas não respondem. Ainda rs.
Voltando a ideia dos turnos de voo, pela manhã, logo após os pardais, as andorinhas fazem muitas evoluções. Voejam rápidas de um lado a outro, com suas asinhas curtas em movimento acelerado.
Dia desses brincaram de partitura musical nos fios elétricos antes de começar o balé.
Logo a seguir, vêm os bem-te-vis. Um deles - talvez seja o mesmo, sei lá - todas as manhãs tenta quebrar pedaços da ração do cão do vizinho batendo com ela em um cano de água. Nunca vi conseguir. Mas todo dia ele tenta.
A essa altura, as maritacas já iniciaram suas conferências barulhentas, que, não raro, termina em briga e pancadaria. Será que é por um lugar melhor ao sol? Quem nunca…
Mas o sol vai subindo e lá pelas nove horas os urubus se reúnem. Solenes, formam uma espécie de espiral e lá ficam por alguns minutos, confabulando.
Talvez discutam a escassez de alimentos, pois em tempos modernos e áreas urbanas as carniças raramente ficam expostas ao tempo, à espera do serviço dos grandes alados.
A essa altura, já estou no terceiro café, tentando organizar uma agenda que cada dia mais parece inorganizável. Sobra compromisso, falta tempo e eu acabo com inveja dos urubus confabulantes e a liberdade que parecem ter.
Aqui no sudeste, como de praxe em época férias e de inverno, quando o vento ajuda, outro tipo de ´pássaro’ ocupa o céu durante o dia quase todo: os pipas. Ou papagaios, para quem mora no nordeste do país.
Aqui no sudeste, como de praxe em época férias e de inverno, quando o vento ajuda, outro tipo de ´pássaro’ ocupa o céu durante o dia quase todo: os pipas. Ou papagaios, para quem mora no nordeste do país.
Deve haver outros nomes que desconheço para esse brinquedo que vem caindo em desuso nas cidades, pois seus pilotos são acuados pelo fios elétricos e as avenidas movimentadas.
Pela minha janela ainda tenho o prazer de acompanhar suas evoluções aéreas traçando desenhos imaginários aleatórios e abstratos. Há poucos dias, um desses pássaros de papel pousou na varanda do escritório.
No dia seguinte, fiz dele um presente ao vizinho de cinco anos que saltitou de alegria. Pássaro desse tipo pode ter dono, os de penas não deveriam jamais.
No fim de tarde, a luz vai desaparecendo e levando com ela os pipas, os urubus, que, às vezes, repetem a conferência em espiral, encerrando mais um dia.
As andorinhas retornam para a minha varanda. Os pardais também se aquietam nos galhos da aceroleira do quintal e em outros beirais na vizinhança.
Das maritacas não tenho notícias. Não atinei ainda para onde vão, mas o provável cansaço do dia em busca da sobrevivência, faz com que sejam mais quietas ao entardecer.
A mim, resta esperar que a luz de um novo dia traga de volta o espetáculo das aves e agradecer por cada dia que me for dada a oportunidade de assistir ao show.
No fim de tarde, a luz vai desaparecendo e levando com ela os pipas, os urubus, que, às vezes, repetem a conferência em espiral, encerrando mais um dia.
As andorinhas retornam para a minha varanda. Os pardais também se aquietam nos galhos da aceroleira do quintal e em outros beirais na vizinhança.
Das maritacas não tenho notícias. Não atinei ainda para onde vão, mas o provável cansaço do dia em busca da sobrevivência, faz com que sejam mais quietas ao entardecer.
A mim, resta esperar que a luz de um novo dia traga de volta o espetáculo das aves e agradecer por cada dia que me for dada a oportunidade de assistir ao show.
Maria D´arc Hoyer é jornalista e, após décadas vividas, insiste em acreditar no lado bom da vida.
6 Comentários
Muito legal. Um texto, que eu diria, saboroso de sorver palavra por palavra, frase por frase, parágrafo por parágrafo, que desencadeando-se um após o outro, se tornam numa crônica que parece desenhada para agradar a quem lê. Parabéns!
ResponderExcluirGostei muito. Parabéns!
ResponderExcluirUma delícia de texto.
ResponderExcluirVoce tem um tela de cinemascope natural para apreciar. Ou uma panoramica de 180º.
ResponderExcluirQue delícia de texto. Por um minuto esqueci que estava de frente para um computador e me imaginei nessa sua janela.
ResponderExcluirQue bom Regina. Muito feliz que tenha conseguido visualizar isso. Leveza pra tempos tão difíceis. Bjs
Excluir