À beira de uma represa de usina hidrelétrica, nos arredores de uma acolhedora cidadezinha mineira, aonde me levou, um dia desses, o trabalho de caixeiro viajante das palavras, eu e a borboleta nos encontramos. Não resisti e fiz uma pausa na obrigação do ofício para dançar com ela em busca de registrar o instante a mim precioso, pois tenho uma atração inexplicável por borboletas azuis.
Lá em meio à mata, ela parecia menos arisca do que as borboletas da cidade. No dia frio, mas iluminado, ela não tinha intenção de abrir mão do calor do sol. Juntas, dançamos em volteios improvisados e suaves. Se eu avançava um passo ela flanava rente ao chão até a próximo pouso, em uma pedra ou folha seca. Quando eu parava, à espera do próximo movimento, ela logo me conduzia em mais uma volta pelo gramado salpicado de pequeninas flores.
Nossos interesses eram diferentes. Ela em busca do sol para lhe aquecer as asas eu à procura do melhor ângulo que fizesse brilhar seus desenhos azuis. Um tom lindo e vibrante que, mais tarde, meu filho explicou que não existe como pigmento, sendo, na verdade, gerada pela forma como a luz é refletida nas microscópicas escamas em forma de cones existentes em suas asas. Ou seja, o que vemos não está de fato lá. É uma ilusão, mas é uma linda ilusão.
Ainda em estudo, pra variar, há uma exceção à regra; A borboleta Nessaea obrinus, teria um pigmento chamado pterobilina que faria as listras em suas asas serem de fato azuis. Será mesmo? A natureza tem essa queda por promover belos mistérios. Para todos os outros animais em tons de azul, inclusive os olhos humanos, a ciência tem uma explicação mais complexa sobre microestruturas que promovem a mudança de direção da luz e etc e tal.
Eu prefiro imaginar o Criador como uma criança encantada com uma grande caixa de lápis de cor, soltando a imaginação ao dar vida a tais obras de arte, tão magníficas quanto efemêras.
Lá na borda do paredão de concreto da represa, a borboleta e eu não nos falamos - nem poderíamos, rs - mas nos entendemos. Não tentamos favorecer uma à outra, nem atrapalhar também. Por breves instantes, éramos apenas dois seres vivos à dançar na mesma luz em sintonia. Como, talvez, o Arquiteto do que somos sonhou que pudéssemos sempre ser.
A vida dela tão passageira. A minha também, conforme a perspectiva. Ela apenas existindo. Eu exercitando a angústia dos sencientes ao buscar eternizar em um registro digital o momento ligeiro e arisco. Que de qualquer forma só viverá de fato em minha memória por algum tempo. Depois nem isso. E ainda assim vale tanto a pena.
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