Paramos para ouvir tudo a respeito da nova doença. Como se cuidar, quais os sintomas, grupos de risco...
As pessoas se trancam em casa por umas duas semanas e começam a pensar que já fizeram sua parte para reduzir a pandemia. Embora doenças e vírus não se pautem pelo tempo humano. Eles são o que são. Seguem outra linha do tempo, nada a ver com nossas prioridades.
Após umas três semanas a maioria de nós já se considera especialista na doença, que tem nome moderno: Covid-19. Logo, proliferam as receitas e curas milagrosas pelas redes sociais.
Depois, começamos a relativizar o perigo. Descobrimos que não fazemos parte do grupo de risco. Que “só” é grave e pode ser fatal para um percentual mínimo dos afetados. Prendemos a respiração, contamos até 10 e suspiramos aliviados.
Auto-diagnosticados como saudáveis, arriscamos uma ida ao mercado. Caprichamos no álcool em gel nas mãos e na volta pra casa lavamos as roupas e tomamos um bom banho para limpar até a alma.
Mas, vendo que nada ocorreu com a gente, voltamos às ruas mais confiantes. Aos bares, às festas, às praias. Desdenhamos de quem se preocupa e mantém a quarentena.
Até que as pessoas próximas começam a fazer parte daqueles números que só víamos no noticiário. Um amigo vai para a UTI. Outro acaba partindo, após o sofrimento da batalha solitária contra o coronavírus.
Depois, é bem possível que um parente mais próximo venha a ser infectado. E, afinal, talvez se comece a pensar sobre a seriedade do que a humanidade vive.
Que ficar doente e partir até pode ser normal, mas não é normal que seja em massa e ao mesmo tempo completamente só.
E que não importa tanto se a empresa farmacêutica vai ganhar dinheiro com a vacina, porque importante é viver com um mínimo de paz e a liberdade de abraçar quem a gente ama.
Que ficar em casa – fora os compromissos inadiáveis –, usar máscara e manter distância pode ser um ato de amor.
Enquanto penso sobre tudo isso, às duas horas da manhã, continuo a ouvir as batidas de música eletrônica que estrondam nos alto-falantes de algum carro e abafam o burburinho de vozes da galera que se reúne na porta da adega na rua de baixo.
Pode ser que a festa dure até a polícia aparecer ou até o dia amanhecer mesmo. Um cenário que se repete pela cidade e pelo país afora. O cenário da individualidade e do desamor. Até que sejamos todos apenas números.
Maria D´Arc Hoyer é jornalista
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