A casa inacabada

Construção de casa, com andaimes e sacos de cimento

Meu vizinho morreu há poucas semanas. A Covid-19 o levou. Com todos os lances incompreensíveis e difíceis de aceitar no desenrolar dessa doença. Sem abraço de consolo, sem velório, sem uma despedida digna para celebrar a vida. 

Ele e a mulher foram infectados ao mesmo tempo. Ela se tratou em casa, sem maiores problemas, mas o marido foi hospitalizado, às pressas, quando o ar já começava a faltar. A ambulância do Samu parou em frente à casa, no início da noite de um domingo, e o levou. E naquele momento ninguém sabia que era para sempre. 

Logo depois ele foi intubado. Os dias de internação se tornaram semanas e os vizinhos mais próximos eram informados da evolução pelo whats app. Por longas três semanas teve piora, teve melhora, teve esperança. Até que um grito de dor feriu a calmaria de uma madrugada de segunda-feira, quando a notícia que ninguém quer ouvir chegou.

O pai de dois filhos adultos, avô de quatro netos pequeninos, marido dedicado, não voltaria mais pra casa. Entrou para a estatística de 260 mil brasileiros ceifados pela combinação de coronavírus e descaso. Em um recado ao filho que recebia os boletins médicos do hospital, deixou uma missão: terminar a casa.

A construção do sobrado da família era seu projeto de vida para dar segurança à esposa, deixar um legado aos seus. Ele partiu aos cinquenta e poucos anos de vida, mas ainda faltando um bocado para concluir a obra. Vida de brasileiro não é fácil não.

Certamente deve estar contente por onde anda, se puder ver que as ações para seguir com o projeto da casa têm mobilizado os filhos, ajudando a seguir com a vida. Os pais sempre sabem.

A casa inacabada está bem longe de ser uma mansão de 6 milhões, mas é um alento observar o que ela representa para os que ficaram. É um sonho de gente simples e verdadeira, que batalha uma vida inteira, não lucra em expedientes duvidosos e não faz pouco caso das dores de ninguém, porque também sente muitas delas na própria pele.

Desde que o desfecho ocorreu nossa rua está silenciosa. Não tem mais aquela troca de brincadeiras entre os vizinhos, que ocorria mesmo a distância e com máscara. Nos olhamos desconfortáveis e o “bom dia” é chocho. A desesperança nos espreita, pronta para dar o bote.

Poderia ser diferente o fim dessa história? Quem sabe? Mas o que falta para o sagrado conforto pós-perda é a certeza de que tudo que poderia ser feito, foi feito.


Texto: Maria D´Arc Hoyer - Jornalista

Foto construção: Photo by Brett Jordan on Unsplash


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