#TBT por escrito: a falta que o raro nos faz

Imagem em preto e branco de uma fita cassete

Hoje é quinta-feira. Dia em que nesses tempos modernos se convencionou praticar o 'TBT'; algo como 'voltar a uma quinta-feira'. Nessa prática, as pessoas postam fotos antigas nas redes sociais saboreando uma memória agradável. Eu gosto mais de letrinhas do que de fotos. Assim, a hashtag famosinha me inspirou a falar de lembranças. Vamos ao meu primeiro TBT. Escrito.

Tenho um amigo que está na minha vida desde que eu somava uns 12 anos de idade e ele também. E nessa época, em que éramos quase crianças e sem recursos, já gostávamos muito de música. Em casa, eu ouvia no rádio o que os adultos preferiam e essa preferência era basicamente por música sertaneja raíz com algumas concessões para cantores como Moacir Franco, Altemar Dutra e Agnaldo Raiol. Gostando ou não, algumas dessas canções ainda sei de cor.

Meu gosto musical foi expandido por aquele amigo de 12 anos. Não sei bem como, mas ele sabia tudo sobre MPB e foi me apresentando Caetano, Gal, Milton, Gil, 14 Bis, Marina, Chico Buarque... Mais tarde, me apaixonei também por Rock and Roll, mas isso fica pra outro texto.

Ele falava sobre as músicas, cantarolava trechos, debatíamos a letra, até que eu pudesse ouvir a tal canção. Como isso era feito? Com uma das grandes emoções que os adolescentes viviam no final da década de 1970 e início dos anos 80: pedindo uma música nos programas de rádio. E nos programas de sucesso isso não era nada fácil. Parecia que o mundo todo ligava pra eles.

Para que eu ouvisse era preciso combinarmos o dia em que ele pediria a música na rádio e torcer para que conseguisse ligar. Eu ficava na expectativa e quando o anúncio da música vinha era o momento de parar tudo e simplesmente ouvir, sabendo que ela não seria repetida. Se alguma palavra não era compreendida a gente improvisava para cantarolar até que fosse possível ouvir de novo.

Alguns anos depois, o mesmo amigo me deu um gravador usado. Evoluímos para a gravação de músicas em fitas cassete, a partir do que tocava na rádio. Naquele esquema complicado, torcendo para que o prefixo da emissora não fosse anunciado no meio dos acordes que nos faziam sonhar.

O tempo passou a tecnologia evoluiu, tudo ficou mais acessível e que atire a primeira pedra o integrante da geração "enta" que nunca baixou uma música no computador para salvar em um CD e ouvir no carro - o pen drive veio mais tarde.

Para quem pedia música no rádio, gravava feliz e chorava de frustração quando o gravador 'mastigava' a fita querida, poder digitar o nome em um teclado de computador e ouvir a música preferida quantas vezes quisesse era mágico. 
Poder baixar então, era uma transgressão irresistível. Enquanto essas transgressões eram praticadas a indústria fonográfica seguia em metamorfose acelerada e os apps de música, enfim, chegaram.

Hoje, sou usuária compulsiva desses apps e amo o conforto de montar playlists. Tenho seleções para caminhar, limpar a casa, escrever e uma amiga enviou recententemente uma playlist ótima, segundo ela, para dançar na cozinha. 

Eu faço uso do modo gratuito do serviço e não posso evitar um sorriso maroto, quando a playlist é interrompida por um anúncio que convida o ouvinte a fazer uma assinatura para ficar livre justamente de anúncios.

Não tenho certeza se darei esse próximo passo. É que ouvir as propagandas, por enquanto, faz parte da minha viagem. Os anúncios abrem um espaço entre as canções atiçando a expectativa pelo que vem a seguir - ouço sempre no modo aleatório. Me lembram o tempo em que ouvir uma música era um pequeno evento no dia. Algo que exigia nossa atenção plena, por ser raro. E hoje quase nada é.

Bom, ser amigo de alguém por mais de 40 anos é precioso e raro. Eu e esse amigo das fitas cassetes agora trocamos memes no Direct.

Foto acima: Photo by Julián Amé on Unsplash


Mulher de cabelos grisalhos e cacheados, usando óculos
Maria D'Arc é jornalista



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