A Macedônia do Norte fica ali na região dos balcãs. Por perto da Grécia, pra ficar mais fácil de localizar. E lá está a cidade de Veles, que se firmou nos últimos anos como a central mundial das fake news para alimentar a voracidade dos usuários de redes sociais e aplicativos de mensagens.
Não fica muito longe da área apontada no livro do Gênesis, segundo historiadores, como o local onde teria sido construída a Torre de Babel, pelos descendentes de Noé, para alcançar o céu. Diz a Bíblia que, até então, todos falavam a mesma língua. Fazer com que falassem línguas diferentes teria sido o castigo divino pela ousadia de tentarem construir a torre.
Como não mais se entendiam, desistiram da torre e se espalharam pelo mundo.
Mitos à parte, é em Veles, cidade com pouco mais de 55 mil habitantes, que muitos jovens ganham a vida – reza a lenda que alguns ganhariam pequenas fortunas – produzindo fake news em série. Por conta própria ou sob encomenda.
Notícias falsas que contribuem bastante para espalhar a discórdia entre os homens, mesmo que falem a mesma língua.
E não se deve subestimar o alcance dessa engrenagem. Por exemplo, a produção em massa de notícias sobre imigrantes e muçulmanos pode ter sido decisiva para alavancar a candidatura de Donald Trump à presidência dos EUA.
Claro, esse seria apenas um dos ‘cases’ mais evidentes desse imbróglio cibernético. É mais que provável que todas as eleições de destaque, mundo afora, venham sofrendo com as interferências de fake news. Em nossas terras tupiniquins também, lógico.
O que ganham os garotos da Macedônia – e de vários outros locais - que fazem as notícias falsas? Bom, se for por encomenda, por exemplo, de alguma organização interessada em interferir nos rumos políticos de um país, o produtor de fake news pode ser remunerado por cada texto que escreve.
Caso seja um ‘produtor independente’, pode ganhar melhor monetizando seu site, ou seja, ganhando alguns centavos de dólar por determinados volumes de acesso a sua página.
Verbas publicitárias de empresas alimentam a atividade
Como qualquer replicador de fake news em qualquer lugar do mundo, o produtor de fake news não para e analisa se pode causar mal a alguém. Ele enxerga em sua atividade nada mais que um trabalho. Eles fornecem o que o usuário quer consumir. Não importa em que lugar do mundo. O capitalismo é um direito de todos, afinal.O que não falta são pessoas com desejo de consumir notícias absurdas. Os títulos que deveriam despertar a desconfiança da veracidade funcionam como atrativos. E parece que quanto mais absurdo, melhor o resultado.
A fake news, uma vez disparada, causa o efeito de uma pedra atirada em um lago, se propagando em ondas que atingem longas distâncias, ou muitas, mas muitas pessoas mesmo.
E se atinge um grande número de pessoas, atrai a verba publicitária de empresas que querem levar longe sua marca, não importa como.
Onde colocar os anúncios é uma tarefa delegada aos algoritmos, que são códigos com procedimentos para identificar sites com maior número de acessos que, em tese, possam levar retorno de muitas visualizações ao anunciante.
Só Deus sabe porquê os departamentos de marketing e branding não questionam a forma como os algoritmos aplicam suas verbas publicitárias (ou talvez questionem e não sejam ouvidos, né?).
Uma lanterna no oceano
No final de 2016, um grupo de ciberativistas dedicados ao combate dos discursos de ódio e fake news, criou nos EUA o movimento Sleeping Giants, com uma conta no Twitter para expor empresas que anunciam em sites que promovem fake news.
A proposta é que essas empresas deixem de permitir que seus anúncios sejam veiculados nessas páginas.
Agora, no final de maio, o Sleeping Giants chegou ao Brasil e em menos de uma semana conquistou mais de 200 mil seguidores, abalando os pilares de um dos principais divulgadores de fake news do país. E não deve parar em apenas um.
Esse movimento não agrada a todos. O fundador da conta do Sleeping Giants Brasil prefere se manter no anonimato, pois um dos fundadores do movimento nos EUA sofreu perseguições e ameaças, quando decidiu levar à publico sua identidade.
Mas o movimento é sem dúvida uma lanterna no oceano aonde as fake news navegavam tranquilas há algum tempo.
Por quê as fake news fazem sucesso?
A notícia falsa, quase sempre, parte de um fato real que é distorcido, ampliado e, quase sempre, ilustrado com imagens manipuladas por programas de edição.E se ela reforça o nosso modo de pensar, mesmo que a notícia provoque medo e preocupação com o futuro, pode trazer a satisfação de nos fazer acreditar que estamos certos. E estar certo é bom, logo, compartilhamos a notícia com outras pessoas.
O prazer de estar certo é tão envolvente que, muitas vezes, mesmo sendo alertado de que a notícia é falsa o compartilhador mantém o post. Afinal, pode até ser mentira, mas nem foi ele que criou, “apenas” compartilhou.
É necessário reconhecer que não é fácil resistir ao canto da sereia que reforça a nossa visão de mundo. A letra dessa música enganosa nos ensina repetidamente que os meios de comunicação profissional têm interesses escusos e querem somente nos enganar. Será mesmo?
Vamos chover no molhado. Será realmente que a notícia de uma fonte desconhecida, espalhada através de um aplicativo de mensagens ou rede social é mais confiável do que a notícia gerada por um profissional de jornalismo, que corre risco de processo caso divulgue mentiras?
Na dúvida, sobre a “notícia” recebida pelo aplicativo de mensagens, ou estampada na rede social, deixe a preguiça de lado, recorra ao santo “Google” e digite lá uma frase da notícia. Se ela aparecer em vários outros veículos reconhecidos, vá em frente, compartilhe.
Se ficar em dúvida, quebre a corrente sem dó. Você não vai padecer no mármore do inferno por causa disso, fique tranquilo. Mas quando você passa à frente a notícia mentirosa, a fake news escandalosa, aí sim pode levar alguém a sofrer.
Você pode causar, no mínimo, sofrimento por meio do medo, da calúnia e da difamação. E estará contribuindo para aumentar os níveis de ansiedade nesse mundo que já vive à beira de um colapso nervoso. E aí, meu amigo, já não se pode garantir que você fique livre das labaredas, se acreditar nos castigos divinos, é claro.
Arrisco dizer que os estragos provocados por essa potente arma de provocar desarmonia entre os povos são mais perigosos do que um atentado terrorista de grandes proporções. Nesses, o número de vítimas pode ser quantificado e os países, em geral, têm seus planos de contenção de danos.
Já as fake news atuam como a ferrugem que se espalha e corrói as engrenagens das relações sociais e institucionais. Ações pontuais aqui e ali da polícia e da justiça de diversos países trabalham em vão para enxugar gelo, pois os produtores se reinventam e se multiplicam.
Nos dias que correm, talvez, Veles seja aqui. Vida longa e próspera ao Sleeping Giants Brasil.
Maria D´Arc Hoyer é jornalista, teimosa demais e, talvez por isso, insista em acreditar no lado bom da vida.
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