Coronavírus e a angústia do isolamento social

Coronavírus covid-19


No final do mês de abril a OMS (Organização Mundial de Saúde) contabilizava 196.295 mortes por Covid-19 no mundo. Números que continuam crescendo e, nesse momento, a única saída ainda é a prevenção. 

E prevenir Covid-19 significa isolamento social. Pedimos a algumas pessoas em diferentes partes do mundo que nos contassem suas experiências de quarentena e quais as limitações impostas pelos governos. O que você pode conferir mais abaixo.  

O número de despedidas, de perdas, apontados pela OMS ainda é pequeno se comparado com a gripe de 1918, ou gripe espanhola, como ficou conhecida. Lá no início do século 20, calcula-se que a gripe matou 50 milhões de pessoas e teria infectado pelo menos 500 milhões, ou um quarto da população mundial.

Mas a sub-notificação na época podia ser um problema ainda maior do que é hoje, portanto estudiosos estimam que esses números podem ser bem maiores. E, embora essas tragédias tenham em comum um vírus como causa, ela se desenvolve em situações completamente diversas. Além disso, esse é o tipo de recorde que ninguém quer superar. Cada vida é essencial. 

Em 1918 não se sabia o que provocava a gripe e a morte. A ciência ainda desconhecia os vírus e os sistemas de comunicação eram cartas, jornais, telégrafos e um iniciante sistema de telefonia.

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São problemas que não existem atualmente. Mais de 5 bilhões de pessoas no mundo tem um telefone celular nas mãos e toda informação necessária para se proteger. E a ciência - em poucos dias sequenciou o genoma do vírus.

Mas conhecer não significa dominar. E a única defesa possível, nesse momento, é a prevenção, o isolamento social. Um castigo grande demais para animal politico que é o ‘homo sapiens’. Talvez nem tão ‘sapiens’ assim.

Vacina ou remédio ainda demora pra chegar

A raça dominante do planeta parece ter mais ego que poder e foi colocada de joelhos por uma forma de vida parasita, microscópica, mutante e letal. Que, segundo o Dr. Clóvis Arns da Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia resumiu em entrevista na CNN Brasil, provoca uma “tempestade de inflamações” no organismo.

A corrida na busca urgente da cura leva a indústria farmacêutica a testar remédios usados com sucesso em outras doenças. E daí vieram as esperanças da tal Cloroquina e mais recentemente do Remdesivir.

Esse último aprovado, há poucos dias, nos EUA para uso em casos mais graves. Pode ser um fósforo aceso em meio a tanta escuridão provocada por essa guerra desigual, na qual o inimigo leva a vantagem de ser invisível.

Desenvolver uma vacina é um processo demorado, que exige muitas etapas até ter resultados confirmados e seguros para uso em humanos. 
  

Ficar trancado é difícil em qualquer lugar do mundo

Apesar de toda a informação, as pessoas parecem ter decidido no Brasil que se não há mortes dentro de suas casas, isso não tem toda a importância que algumas autoridades e a ciência vêm dando ao Coronavírus.

Mas a realidade é que o caminho até a liberdade segura ainda é longo e incerto. A humanidade está em plena transformação. De novo. E não está fácil pra ninguém.

Inglaterra

Em Salford, na grande Manchester, Inglaterra, o repórter fotográfico Antonio Basílio, registra a paisagem melancólica e silenciosa. A foto é feita pela janela do apartamento onde mora, mas onde jamais pensou passar tanto tempo.

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Foto:Antonio Basílio

Ele está há pouco mais de dois anos no Reino Unido, para onde se mudou em busca de novas oportunidades e crescimento pessoal e profissional. E, como todos, não poderia imaginar viver a situação atual.

Além de sentir falta do direito de ir e vir, a maior angústia é a incerteza de quando isso vai acabar. Já são 40 dias dentro de casa.

coronavírus covid-19Não há prazo para o fim do ‘lockdown’ no Reino Unido. Numa tentativa de administrar racionalmente a ansiedade, Basílio anota todos os dias os número divulgados pelo governo em uma tabela. E, pelo menos até dia 30 de abril, o número de mortos ainda sobe e assusta.

Assusta mas justifica o rigor das autoridades. Quem sai às ruas para comprar alimentos ou remédios, precisa manter os dois metros de distância de outras pessoas ou corre o risco de ser multado e até preso.

Basílio acompanha com preocupação a situação no Brasil. Para ele, as pessoas deveriam ser realmente responsabilizadas por suas atitudes, independentemente de cargo ou posição social.

Argentina

Sem reconhecer fronteiras, provavelmente foi a bordo de navios de cruzeiro, no meses do início do ano, que o coronavírus aportou em Usuhaia, uma das ilhas mais famosas do arquipélago conhecido como Terra do Fogo, que tem parte de suas ilhas na Argentina.

É lá que brasileira Heloiara Lemes vive há mais de três anos. Ela e o marido, em tempos normais, têm dias agitados no hotel 5 estrelas onde trabalham. Heloiara é supervisora de alimentos e bebidas. E nas horas de folga pode aproveitar as paisagens deslumbrantes da ilha também chamada de fim do mundo. Ou podia, até há pouco tempo.

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Vista geral de Ushuaia. Foto: Heloiara Lemes

Ela conta que turistas, da Europa e da China, desembarcaram na ilha até o início de março, quando os primeiros casos já começavam a ser registrados. Mas, como em outras partes do mundo, ainda não havia caído a ficha da gravidade do problema.

coronavírus covid-19Mas isso mudou e hoje ela diz que a situação por lá se compara a uma prisão domiciliar. Ushuaia tem cerca de 60 mil habitantes e até final de abril contabilizava 126 casos e, felizmente, nenhuma morte.

Para sair de casa é preciso obedecer a um rodízio de acordo com o número do documento. Com final 6 na carteira de identidade, Heloiara pode fazer suas atividades as quintas-feiras.

“Mesmo saindo no dia correspondente, somos parados em inúmeras blitz para prestar contas do porquê estamos fora de casa e nem todos são gentis. A sensação é de estar agindo errado, mesmo seguindo as regras. É muito ruim”, declara.

Ela diz que é complicado porque se no dia marcado você não estiver se sentindo bem pra sair ou mesmo tiver falta de algum mantimento, não tem saída. Tem que esperar.

“Enquanto a coisa é facultativa e você tem a escolha de agir corretamente, é mais fácil levar a situação. Mas é realmente muito frustrante quando retiram seu direito de ir e vir.”

Em Ushuaia, as saídas não permitidas também podem ser punidas com multa ou prisão, conforme a gravidade da situação.

“Se as pessoas soubessem como é ruim ser legalmente privadas de sua liberdade entenderiam a importância de efetuar a quarentena enquanto é solicitada como colaboração”, finaliza.

Canadá

Há oito meses Fernanda Akemi Shimada chegou a Toronto, província de Ontário, no Canadá, para estudar inglês. O tempo de estudos é divido com o trabalho em um escritório.

Há várias semanas ela enfrenta restrições para sair de casa, como ocorre em todo o mundo. Mas acredita que o governo já começa a flexibilizar as medidas e percebe que a cada dia mais pessoas estão nas ruas e frequentam os parques. Embora em 1º de maio Ontário contabilizasse mais de 17 mil casos e 1.176 mortes.

As regras por lá são parecidas com as do Brasil. É permitido abertura apenas dos estabelecimentos que prestam serviços essenciais, como mercados e farmácias, e as aglomerações não são permitidas.
Também não há punições para quem sai de casa, mas, segundo Fernanda, as pessoas respeitam as regras e realmente mantêm distância umas das outras em locais públicos.


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Fernanda e a esperança de ver as pessoas de volta às ruas e transporte público, devolvendo vida a Toronto. As fotos são dela

A entrada nos mercados e controlada por filas, que são muito longas porque o número de pessoas dentro das lojas é controlado. Funcionários fornecem álcool para higienizar as mãos.
Há um disque denúncia para que se possa informar quando alguém compra produtos em excesso, como papel higiênico ou ovos.

Fernanda explica que o governo canadense liberou dois mil dólares por mês e que todas as pessoas com quem ela convive não encontraram dificuldade em receber esse suporte financeira.

Escolas e alguns comércios devem começar a reabrir a partir da segunda semana de maio. E é claro, há uma grande esperança de que tudo fique bem. A estudante diz que toma todos os cuidados, mas se preocupa bastante com os pais que estão no Brasil e fazem parte do grupo de risco.

“O que eu mais sinto falta é ver os amigos, ir a bares e comer dentro de um restaurante. Mas sou uma pessoa que planeja tudo e o que me deixa mal e ansiosa é não saber o que será do futuro, ainda mais por estar longe da minha família.”

Todos os relatos revelam que a indefinição quanto ao futuro é o que mais incomoda nessa guerra pela vida. E se uma das formas de luta é ficar em casa, a humanidade tem perdido muitas batalhas.

É preciso acreditar, se proteger e proteger quem você ama. Especialmente para quem diz ter fé em alguma divindade, não há desculpa para duvidar da existência do vírus. Se você acredita no bem invisível, não pode duvidar do mal invisível.

No Brasil caminhamos, hoje, para as 7.000 mortes. Se puder, fique em casa. Se precisar sair, use máscara.

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Maria D´Arc Hoyer é jornalista, teimosa demais e, talvez por isso, insista em acreditar no lado bom da vida.



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10 Comentários

  1. É tudo tão triste... Pessoas morrendo. Famílias enfrentado dificuldades. Gente andando nas ruas sem máscaras. Desemprego em super alta. Governo sem o menor respeito, deixando a população com a sensação de total ineficiência, descaso, abandono... Ufa, está difícil.

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    1. É realmente triste demais, Gisela. Uma situação inimaginável, e especialmente triste para os brasileiros.

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  2. Pessoas encaram a pandemia de forma e intensidade diferentes. Há aqueles que seguem as recomendações de prevenção e os que acham tudo um exagero, apesar dos números mundiais de mortes e contágios. Mas nos dois grupos, não há ninguém que não teve a vida afetada pela pandemia.

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    1. E pesquisando a gente descobre que a formação desses dois grupos antagônicos não é privilégio do nosso tempo de redes sociais. Sempre houve quem não acreditasse na ciência e, às vezes, nem nos próprios olhos e sofrimento. Difícil compreender.

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  3. Excelente matéria! Parabéns e sucesso.👏

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  4. Muito bom! Um bom panorama de prisão domiciliaar sem tornozeleira...

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