Blade Runner, Jeff Bezos e as águas que continuam a correr para o mar

Cena urbana noturna, com reflexos de luzes no asfalto molhado e luzes de veículos ao fundo

Em 1982, quando o filme Blade Runner foi lançado, eu tinha 17 anos. Lembro que fui para casa após assistir o filme, de ônibus, bastante impactada por aquela ficção que ditava um futuro sombrio para a humanidade.

Naqueles dias, ir ao cinema era um evento para a maioria dos adolescentes. A telona nos encantava e os filmes não tinham tanta concorrência por atenção. Sem Netflix para me empanturrar o cérebro com uma maratona, Blade Runner ocupou meus pensamentos por um bom tempo.

Fazendo parte, na época, do alicerce da base da pirâmide – a social, não as famosas do Egito – me parecia perfeitamente possível e muito assustador, que aquele futuro tenebroso imaginado pelo diretor Ridley Scott, se tornasse realidade. 

Para quem não conhece a história, Blade Runner é estrelado por Harrison Ford, no papel de um caçador de replicantes rebelados. Ele é o encarregado de localizar e destruir os replicantes considerados perdidos pela Tyrell Corporation. 

Os replicantes são seres humanos criados artificialmente, recebendo inclusive implantes de memórias e emoções. São utilizados como mão de obra para atividades mais perigosas e insalubres, na terra e também fora da terra, em planetas colonizados.

O ambiente urbano da Los Angeles do filme é uma cidade envolta em permanente chuva ácida e nas ruas se atropelam vendedores de comida chinesa e toda uma gama de ambulantes miseráveis tentando ganhar a vida. Os ricos empresários comandam seus impérios resguardados em arranha-céus, decidindo sobre a vida e a morte. Dos replicantes.

O roteiro do Blade Runner é ambientado em novembro de 2019. 

Crise mundial e os ricos cada vez mais ricos

Diversas notas de um dólar jogadas e sobrepostas

De volta ao presente, vi hoje a notícia de que Jeff Bezzos, o dono da Amazon, durante esse período de pandemia, chegou a ganhar em apenas um dia, 13 bilhões de dólares. Mas ele não foi o único bilionário a ficar muito mais rico durante a pandemia. 

Mark Zuckerberg, do Facebook e Elon Musk, da Tesla Motors e da Space-X, que vende voos comerciais para a Lua, também ficaram muito mais ricos nesse período. E é perfeitamente provável que você e eu tenhamos contribuído para aumentar a fortuna de pelo menos dois deles, pois voo para a Lua está meio fora das minhas possibilidades. 

Nesse mesmo período da pandemia, mais de 50 milhões de trabalhadores, apenas nos EUA perderam seus empregos. Mais de 30 milhões continuam sem postos de trabalho. As informações são da Americans ForTax Fairness 

Vivemos em um mundo acossado por uma pandemia, sufocado por emissões de poluentes, com extinções em massa de espécies, desequilíbrio ambiental evidente e com os bilionários, especialmente os da área de tecnologia ficando mais e mais ricos. 

Alguma semelhança com o cult Blade Runner

A diferença mais triste que vejo entre o cenário previsto no Blade Runner de 1982 e a realidade em 2019-2020 é que a mão de obra humana é farta, por pagamentos tão miseráveis diante dos ganhos das gigantes da tecnologia, que tão cedo não deverá ser preciso investir no desenvolvimento de replicantes. 

E aqui fico a pensar na sabedoria da minha avó, que quando ouvia falar em ricos ficando mais ricos dizia com a expressão resignada: “é minha filha, as águas sempre correm para o mar”.

Mulher, usando óculos e com cabelos cacheados e foto preto e branco
Maria D´Arc Hoyer, jornalista. 

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