A oportunidade (de viver) é um beija-flor no pé de ‘joão bolão’

Beija-flor em fundo desfocado

A oportunidade é um cavalo arreado que não passa duas vezes, reza o dito popular, para nos lembrar que é preciso estar sempre pronto a montar esse alazão e cavalgar a sorte.

Mas quero olhar para esse ditado de outra forma. Esse ano terrível, inesperado (será mesmo?) pode ter nos mostrado que cada segundo de vida é uma oportunidade rara e única. Que deve ser aproveitado, esteja você pronto ou não. Viva.

Ao longo dos 12 meses de 2020 eu enfrentei desafios pessoais, profissionais, perdi entes queridos, sofri junto com outras pessoas que amo e que enfrentaram seus próprios calvários e sei que não estou sozinha nesse roteiro. E embora tenhamos todos passado pelas mesmas coisas,  pior foi passar sem abraços, sem presença física, até nas despedidas definitivas. 

Não deu pra tomar o café relaxante com as amigas e amigos. Não foi possível  esquecer da vida lá fora trancada e feliz no escurinho do cinema por duas maravilhosas horas. Foi proibido roubar até meia hora do dia ocupado e sentar-se à mesa de um boteco simpático de esquina para curtir um açaí e refrescar a alma; porque, vamos combinar, se tem algo que pode refrescar até o outro mundo é uma generosa colherada de açaí.

O tal corona nos tirou o que há de mais precioso: o convívio com o outro. Que pode ser espelho ou contraponto, mas é sempre para nossa expansão espiritual.

De tudo isso, matusquelando ao longo dos últimos dias, entre um relatório de trabalho e outro; uma panela fervendo e outra, uma casa pra varrer e uma roupa pra lavar, só consigo atinar que o recolhimento involuntário que 2020 nos trouxe, por fim, é um presente raro. Imperfeito, sofrido, mas ainda assim, um presente.  

Pois, mesmo não sendo uma ficha que caiu para todos, 2020 e seu recolhimento trouxe pra muita gente a oportunidade de olhar com mais cuidado para a família. E já falamos aqui nesse blog sobre a importância do cuidado nessa louca vida que levamos. 

O recolhimento nos trouxe um tempinho para colocar uma pitada de carinho a mais pra si mesmo ao se olhar no espelho. Comprar a máscara artesanal de uma amiga pra dar uma força. Dar uma gorjeta ao motoboy que se arrisca nas ruas e no contato com tanta gente. Apoiar uma campanha, mesmo que com uma assinatura virtual ou uma doação real para ajudar a mudar o mundo ou mudar o mundo de alguém.

Sim, eu acredito que a gente muda o mundo com cada pequena atitude, para o bem ou para o mal. Acertando, errando, consertando e aprendendo. Aprendendo, principalmente, que a oportunidade de viver pode ser mais passageira do que um cavalo selado.

Pode ser tão ligeira como um beija-flor, saracoteando em torno dos cachos de ‘joão bolão’. Numa imagem linda, com suas asas esvoaçantes e seu bico de agulha recortados contra o lago prateado pela luz da manhã. 

Um registro fotográfico que não pude fazer, porque hoje, excepcionalmente, não levei o celular quando saí para caminhar. Não estava pronta para a fotografia, mas estava pronta para registrar na memória o momento fugidio e perfeito. Que agora segue gravado na lembrança, compondo o caleidoscópio de imagens da minha vida.

Por mais chavão que seja, a vida é isso: o momento, o agora, o presente. O único tempo que nos pertence. E não, não é fácil estar atento. A gente se perde entre os boletos para pagar, o portão para consertar, os emails para responder e quando menos espera, o beija-flor partiu. Então, feliz momento novo, a cada segundo, pra todos vocês que me acompanharam no ‘Recortes’ este ano. Obrigada, de coração!

Mulher de cabelos curtos, grisalhos, usando óculos
Maria D´Arc Hoyer é jornalista

Foto beija-flor: Photo by Hawin Rojas on Unsplash


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