Penso como eu quiser, logo, sou livre, mesmo trancada em casa

Silhueta de pessoa com mãos apoiadas atrás de vidro fosco

Completamos um ano de pandemia no Brasil e se, nos últimos doze meses, você não sentiu uma coisa esquisita e indefinida se revirando entre seu estômago e sua cabeça, procurando, sem sucesso, saída e expansão, provavelmente você não está vivendo direito esse momento tortuoso.

Pelo menos, sob o meu conceito de viver, que pressupõe observar o que nos cerca, se preocupar com o bem-estar do outro e planejar o futuro. Que pode não ser o mesmo  conceito que você defende e eu não posso e não quero sujeitar ninguém ao meu modo de pensar, pois é exatamente aí que começa a liberdade. Penso como eu quiser, logo sou livre, mesmo trancada em casa. Com a devida vênia de Descartes para esta  paráfrase abusada. Faz algum sentido pra você?

Então, nesse mês de aniversário tenebroso, vamos pensar juntos sobre o que vem (nos) acontecendo?

Mas, por favor, se você perceber que o seu pensamento está condicionado apenas às estreitas fronteiras de uma dualidade de opções políticas e um estreito modo de ver o seu entorno, nem adianta seguir em frente. Perder tempo nos dias que correm, definitivamente, não é uma opção. E, juro pelo sagrado brilho do sol de cada dia, que este não é um texto sobre política, pelo menos não partidária, porque, afinal, tudo é política.

Só busco na escrita e na expressão dos pensamentos uma fresta para tentar libertar aquela coisa esquisita que citei no início. Se você quiser dar um nome, pode chamar de angústia; é algo parecido.

Um ano inteiro passou na janela da existência

Ilustração colorida do coronavírus

Já faz um ano e uns três meses a mais ou a menos, conforme o país em que você estiver, que fomos chacoalhados pela chegada do coronavírus.

De onde veio? Como ele age? É natural ou foi fabricado? Como podemos nos livrar dele? Vamos sobreviver a ele?

São essas e muitas outras perguntas sem respostas concretas ainda que povoam o noticiário, as reuniões de governo mundo afora e as nossas noites insones. Você pode até achar que não está pensando sobre isso até enquanto dorme, mas está.

E lá vou eu exercer a minha inalienável liberdade de pensar. Depois, se você quiser, pode compartilhar comigo os seus pensamentos também.

Penso que de onde o coronavírus veio não é a pergunta mais importante hoje. Afinal, venha de onde vier ele está em todo lugar. E tem uma capacidade invejável de adaptação. Frio, calor, clima seco, clima úmido, pra ele tanto faz.

Usa seus hospedeiros (sim, viramos hospedeiros basicamente) como laboratório de testes para mutações e também como meio eficiente de transporte até a próxima hospedagem. E mulas para o transporte indiscriminado não faltam. 

Trabalha em equipe e age de forma simples e eficiente na arte da sobrevivência. E, toscamente, é só disso de que se trata, tanto para o coronavírus quanto para nós. Mas, fora os profissionais de saúde 
e pesquisadores, deixamos passar um ano de nossas vidas sem fazer tudo que poderíamos, como coletivo, para garantir a retomada do que costumamos chamar de normal. 

O coronavírus foi fabricado em laboratório?

Ao que tudo indica, a ciência (e a política) ainda está em algum ponto entre o ‘não’ e o ‘com certeza’. Tudo muito nebuloso e indefinido, assim como o tratamento adequado contra os efeitos devastadores do vírus em algumas pessoas. O coronavírus é, em grande parte, o desconhecido. 

A única certeza mais defendida entre os pesquisadores é que o coronavírus não teria sido criado como arma biológica. No entanto, ninguém pode, de fato, garantir a impossibilidade de um acidente ou falha em algum laboratório de pesquisa trabalhando com modificações de vírus, mesmo que com boa intenção.

Ok, os cientistas concordam que a possibilidade é pequena, uma vez que essas modificações se provocadas deixariam rastros marcantes no RNA do vírus. E quem sou eu pra duvidar deles. Mas e todo aquele mistério ainda existente entre o céu e a terra? Se ficar muito interessado nesse tema, vale a pena ler esse texto da BBC.

Fabricado ou não, uma certeza - coisa rara - é compartilhada há muito tempo nos meios científico e nerd: o aparecimento de um vírus mortal, capaz de provocar tragédia entre humanos, nunca foi uma questão de “se”, mas apenas de “quando”.

Vamos combinar, não era tão difícil assim determinar isso. 
Nem é preciso voltar até a peste negra, por volta de 1.350, basta lembrar a gripe espanhola, que provavelmente nem espanhola era, que assolou o mundo logo ali atrás, em 1918. 

Mais fácil ainda observar que, ao ocuparmos tanto espaço no planeta com mais de 7 bilhões de pessoas consumindo indiscriminadamente os recursos naturais, interações não muito agradáveis estavam fadadas a ocorrer.

O coronavírus é parte da natureza da qual negamos fazer parte. Ele quer o mesmo que nós: crescer e multiplicar-se.

Como podemos nos livrar dele?

Stop The Spread. Image created by Hazem Asif. Submitted for United Nations Global Call Out To Creatives - help stop the spread of COVID-19 in collaboration with Talenthouse.
Stop The Spread. Image created by Hazem Asif. Submitted for United Nations Global Call Out To Creatives - help stop the spread of COVID-19 in collaboration with Talenthouse.

Essa questão sempre me leva a pensar no povo japonês. Que não deixa passar nunca a oportunidade de aprender com as tragédias para garantir o futuro da sua gente. Humildade, perseverança e consciência de que se proteger significa proteger também o outro, são qualidades que fazem parte da cultura japonesa.

Para ficar em um exemplo recente, nesse momento eles se dedicam à construção de uma muralha de 12,5 metros de altura, por 400 quilômetros da costa noroeste do país, para prevenir novos desastres como o tsnunami em março de 2011, que deixou 19 mil mortos.

Bom, mesmo no Japão essa iniciativa não está livre de críticas é melhor ressaltar, mas que impressiona a vontade e dedicação de prevenir isso não dá pra negar.

Falando de Covid-19, com 126,5 milhões de habitantes o Japão somava até o último dia 12 de março 8.515 mortos. Em comparação, o México com 126,2 milhões de pessoas, contabilizava na mesma data mais de 193.851 vidas perdidas para o coronavírus.

Números que fazem pensar. Japoneses usam máscaras para proteger os outros de um simples resfriado. Eles prezam o espírito de corpo, a ciência e a tecnologia enquanto o resto de mundo se comporta como um bando de baratas tontas. Seguindo decisões de governantes, como se fossem deuses, a definir se é necessário ou não usar toda proteção possível.

No Brasil, estamos há um ano entrando e saindo de lockdown meia-boca por falta de bom senso, de senso de coletividade, de responsabilidade. À mercê de comportamentos erráticos, decisões pautadas pela pressão de setor econômico e que se fossem mais firmes poderiam encurtar sofrimento, reduzir  mortes e orientar melhor os incautos. 

Para nos livrarmos do sofrimento imposto pelo coronavírus é indispensável acreditar no invisível. Inclusive a força invisível dentro de cada um de nós para suportar o isolamento, reconstruir negócios do zero, reinventar o modo de sustentar a família e na impossibilidade de tudo isso, buscar e aceitar ajuda. Porque tudo que importa é atravessar a longa tormenta.

Para derrotar o invisível é preciso usar máscara e evitar aglomerações e lavar as mãos e não convidar os parentes para um churrasco e se, mesmo assim, algo der errado, não esperar faltar o ar antes de procurar ajuda médica. E acreditar na vacina. Melhor ser um jacaré vivo do que um humano morto.

Mas veja bem, eu disse para nos livrarmos do 'sofrimento' imposto pelo coronavírus. Livrar-se do vírus é outra história. Uma batalha que pode estar só começando. A varíola, por exemplo, que atormentou o mundo por milhares de anos, registrou os últimos casos no Brasil há apenas 50 anos. Já pensou?

Vamos sobreviver ao coronavírus?

Bebe asiático com óculos e mostrando a língua

Com certeza a raça humana vai sobreviver ao coronavírus. Mas nada é garantido individualmente a mim ou a você. Principalmente porque não parece que aprendemos muita coisa, até agora, com todo esse sofrimento.

Nos primeiros meses da pandemia foram muitos os posts, reportagens e mensagens destacando que a humanidade sairia mais unida e forte dessa dura prova. Também vimos notícias de mares mais limpos, animais curtindo lagos e bordas de florestas com menos humanos enxeridos. Eu mesmo falei disso aqui.

Doce ilusão. Um ano depois as notícias falam da irresponsabilidade das festas clandestinas promovidas pelos negacionistas egoístas. Das agressões em comércios por pessoas enfurecidas que se recusam a usar uma simples máscara.

As notícias falam também de máscaras descartadas sem compromisso que invadem as praias e estrangulam pássaros, que contaminam as ruas. Tristemente, não sabemos nem mesmo usar uma lixeira. É difícil continuar trancado em casa e acreditar na luz do fim do túnel. Mas é vital.

É preciso deixar de lado a ignorância voluntária e louvar os profissionais de saúde esgotados por plantões infindáveis. Pensar nos pesquisadores que desenvolvem as vacinas, trancados por meses nos laboratórios. Todos correndo contra o tempo. Os próximos beneficiados pelo trabalho deles pode ser você ou alguém que você ama. 

É essencial, acima de tudo, ser solidário com as famílias enlutadas. No Brasil de hoje estamos muito perto das 280 mil mortes. Se você está aqui, lendo este texto, é porque está vivo. Agradeça. Hoje é tudo o que importa. Pense sobre isso.


Maria D´Arc Hoyer é jornalista

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