Teresa: uma mulher comum, mas extraordinária

Mulheres reunidas, em pé, e um rapaz abaixado à frente delas
Com os filhos, em um dos muitos momentos de reunião da família

Passar dos 90 anos de idade sendo a rainha da Inglaterra tem seu valor, mas, vamos combinar, que apoio não deve ter faltado em todos os seus dias de realeza para enfrentar as agruras da vida.

Hoje, 8 de Março, dona Teresa faz 91 anos, de uma vida repleta de trabalho e dificuldades compensados por muita resiliência e amor. É com a história de vida dela que trago minha homenagem a todas as mulheres que todos os dias se levantam para fazer acontecer o que for necessário.

A batalha começou ainda muito cedo para Teresa, quando aos 4 anos, ficou sem a mãe, que morreu em consequência de um parto complicado, ao qual o bebê também não resistiu. Assim, ela passou a ser a caçula de cinco irmãos.

Passado o choque da perda, a vida da família se reorganizou na tranquilidade da fazenda onde moravam, no bairro da Piedade, em Caçapava. O pai, empregado da fazenda, decidiu não se casar de novo, embora ainda fosse bem jovem. A preocupação dele era que uma madrasta pudesse maltratar seus filhos, especialmente, Teresa, que sendo a caçulinha virou seu xodó.

Na simplicidade da roça, a lembrança mais doce que dona Teresa sempre contou aos filhos, era sobre como o pai colocava as esteiras de dormir no quintal, nas noites mais quentes, e ficavam todos deitados, olhando as estrelas distantes, brilhando na escuridão e compartilhando histórias.

Até os 12 anos a vida teve a leveza de passeios a cavalo, que ela adorava, e o prazer de tocar pandeiro e cantar em um grupo musical formado por alguns primos que moravam por perto. Mas, o destino já preparava o próximo obstáculo a ser vencido.

O pai também partiu muito cedo

A segurança do mundo de Teresa foi abalada novamente quando seu pai também fez a grande viagem, muito cedo, por volta dos 45 anos. Ele não resistiu a uma úlcera, cujo tratamento não era acessível como é hoje.

Por essa época, dois de seus irmãos já eram casados. A princípio, Teresa foi morar com um irmão e a esposa dele. Mas não se entenderam muito e ela fez nova mudança, indo viver com uma irmã e o cunhado.

Com eles permaneceu até por volta dos 14 anos. Trabalhando na roça familiar, uma vida sem luxo, mas um pouco mais tranquila. E então apareceu o que ela considera uma oportunidade: trabalhar com a família Righi, em Taubaté, como doméstica.

Foi trabalhando para essa família que Teresa aprendeu a ler e escrever e recorda com emoção de ter viajado de avião, de Taubaté a Ubatuba. Experiências significativas e marcantes para a menina órfã da fazenda.

O footing que deu em casamento

A mesma família para quem ela trabalhava em Taubaté, também tinha casa em São José dos Campos e passava temporadas no centro da cidade. Em uma dessas estadias, Teresa foi à Praça do Sapo praticar o footing. Esse era o nome que se dava à arte de paquerar na praça. A atividade era popular nas cidades brasileiras, nas décadas de 40 e 50.

Foi no footing que ela cruzou olhares com Lúcio e começou a escrever uma nova etapa da sua vida, aos 24 anos de idade. Eles se apresentaram e ela logo contou que estava de passagem e na semana seguinte estaria de volta a Taubaté. O rapaz disse que não era problema, pois iria até lá para vê-la. A resposta foi: “duvido”.

Ele foi e pouco tempo depois estavam casados e morando em um pequeno cortiço, em Eugênio de Melo. Mas Teresa vivia agora seu sonho de ter o próprio canto no mundo. A primeira filha chegou em 1954.

Depois, a família continuou a crescer e as mudanças de casa foram se sucedendo. Mudaram-se para a região central, em São José dos Campos e, já por volta de 1974, finalmente foram para uma casa própria, construída com esforço ao longo de cinco anos, na região leste da cidade.

Mas, a essa altura, o encanto do casamento que havia começado no footing da Praça do Sapo já havia se perdido entre as dificuldades do dia a dia e a infidelidade do marido.

A coragem de manter os filhos seguros e a si mesma sã, fez com que Teresa fizesse as malas do marido e o convidasse a deixar a casa da família. Arregaçou as mangas e voltou a procurar emprego para, mesmo com pouco, ajudar a filha a manter as finanças da casa.

A pedido de uma das filhas, o matrimônio ainda rendeu uma reconciliação, mas durou apenas seis meses. Dessa vez, foi Teresa que partiu para, junto com os filhos, para escrever de vez uma nova história.

Paz e disposição para ajudar a criar netos

O pequeno apartamento alugado na região sul, virou reduto de paz e reconstrução. Acostumado a se reerguer, com uma estrutura emocional de dar inveja, em pouco tempo Teresa estava pronta para ajudar a criar os netos.

fotografia antiga com mulheres e crianças
Dona Teresa, ao centro com um dos netos nos braços

Estar com eles ao longo dos dias, fazer comidinhas, dar amor e educação foi seu estado de graça. A liberdade de ir e vir, frequentar a igreja evangélica de sua escolha, tornaram-se pequenos, mas preciosos, luxos. Uma rotina que durou muitos anos. Parou, afinal, com o trabalho com os netos em 2007.

Por dez anos cuidou apenas do apartamento, agora próprio, para o conforto dela e do único filho homem. Em 2017, os primeiros sinais de falta de equilíbrio indicaram que algo poderia estar errado. Desde então, uma rotina de consultas médicas e tratamentos tomam o tempo de Teresa. E o tempo começou a tomar-lhe a memória. E esse é um dos motivos pelo qual você está lendo essa história, para ajudar a preservar um pouquinho que seja.

De mãos dadas pela vida afora

Quem nos ajudou a resgatar essa história para homenagem foi o Fernando, o caçulinha de dona Teresa, que conta hoje 56 anos. Sua memória marcante com a mãe, não é uma lembrança propriamente dele, mas algo que ela lhe contou muitas vezes.

Rapaz sorri abraçado com mulher idosa, em um banco de praça

“Minha mãe contava que precisou colocar meu berço ao lado da cama dela, até por volta de um ano de idade, porque eu só conseguia dormir se ela estivesse segurando minha mão. Bastava soltar pra que eu acordasse.”

Eles seguem de mãos dadas pela vida até hoje. As irmãs o ajudam e dona Teresa passa os dias com uma cuidadora, enquanto ele trabalha. Mas as noites, feriados e fins de semana, é ele quem cuida dela. 

Fernando destaca que ficou feliz e aliviado por sua mãe já ter tomado a segunda dose da vacina e estar um pouco mais segura contra a Covid-19.  Que venham muitos anos mais.  

Pra finalizar, eu como boa taurina, guardo na memória o sabor maravilhoso do nhoque de forno que tantas vezes dona Teresa preparou com carinho pra mim. Eu me sentia o máximo, toda importante com esse mimo. Tem coisa melhor que pessoa querida fazendo pratos gostosos pra gente?

Aquela mulher de 1,45 sempre foi uma gigante aos meus olhos com seu jeito carinhoso e meigo de tratar as pessoas que amava. Claro que ela sabia ‘rodar a baiana’ quando era preciso. E que mulher não sabe? 

Hoje ela completa 91 anos. Não vi melhor forma de homenagear o Dia da Mulher, do que com o pequeno registro das nove décadas de resiliência, força, dedicação e amor a vida de dona Teresa. 

Mulher de cabelos curtos e óculos
Maria D´Arc Hoyer é jornalista 

Fotos: arquivo pessoal


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1 Comentários

  1. Também conheço a dona Teresa e ela sempre foi muito doce comigo. Beijinho pra ela.

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