Como a pandemia afeta o equilíbrio emocional

Rosa vermelha, murcha e despedaçada

Foi apenas quando já estava de volta a sua casa que Carla percebeu a reação desproporcional que havia tido a um incidente corriqueiro. Era início da tarde, ela havia chegado do trabalho e, ao sair do banho, procurou o celular e não encontrou.

“Entrei em desespero, suava frio. Tinha certeza que havia deixado o celular na loja e voltei pra lá, caminhando por vinte minutos, de shorts, camiseta e chinelos, uma roupa caseira. Deixei minha mãe de 90 anos em casa sozinha, coisa que não faço nunca, nunca.”

Talvez a caminhada tenha ajudado um pouco a acalmar o turbilhão de emoções que tirou momentaneamente a racionalidade de Carla, pois, felizmente, ela retornou para casa, após verificar que não havia esquecido o celular no trabalho.

Ao chegar, descobriu que o aparelho estava em cima da cama, escondido debaixo de uma peça de roupa. E mais, o marido lembrou que ela havia inclusive enviado para ele uma foto do cachorro da família, assim que chegara em casa.

Era final de janeiro de 2021. Foi nesse momento que ela percebeu que havia tido um ‘apagão’ de consciência e decidiu que precisava de ajuda profissional para trazer de volta o equilíbrio emocional que os muitos meses de pandemia e incertezas drenaram da sua vida.

Após esse episódio do celular, ela chamou o marido e o filho e abriu o jogo. Assumiu que vinha sentindo um medo desproporcional e inexplicável diante de situações habituais e o choro sem motivo havia se tornado frequente.

Uma consulta psiquiátrica foi marcada e Carla foi diagnosticada com “Transtorno de Ansiedade Grave e Síndrome do Pensamento Acelerado”.

Carla Regina Ferreira Garcia, 51 anos, é formada em jornalismo mas optou por ser comerciante. Tem uma loja no Mercado Municipal de Caçapava, pequena cidade do interior de São Paulo, e fez questão de contar sua história, com generosidade, para alertar outras pessoas que podem estar enfrentando situações parecidas e ainda resistem a pedir apoio e cuidado.

Realmente, ela não está sozinha nessa torturante batalha contra a ansiedade. A estimativa da Organização Mundial de Saúde é que cerca de 350 milhões de pessoas sofram com transtorno de ansiedade e depressão hoje e a expectativa é que até 2030 vai atingir mais pessoas do que qualquer outra doença.

E mais, na população adulta, as mulheres têm duas vezes mais chances de desenvolver essas doenças, em razão de fatores como dupla jornada de trabalho e vulnerabilidade social. Situações que têm ganhado mais vulto, após meses de pandemia. O transtorno de ansiedade e a depressão tiram a cor e a beleza de tudo na vida.

“Vai fechar tudo”

Morando em uma cidade tranquila, sem trânsito, com um comércio de pequeno porte, a vida de Carla pode ser considerada sossegada. Mas ela não está livre de problemas comuns do mundo moderno: a obrigação de pagar boletos e o desejo cultural de se sentir produtiva.

Mulher morena, cabelos curtos cacheados, usa óculos e blusa preta e alças
Carla Garcia: pedir ajuda é essencial
E para pagar boletos a imensa maioria das pessoas precisa trabalhar, mas Carla foi impedida por meses de abrir sua loja. Depois que iniciou o tratamento, ela percebeu alguns sinais de ansiedade que rondavam sua vida há algum tempo, relacionados à pandemia. Um gatilho em especial foi identificado: a frase “vai fechar tudo”.

Ela lembra que os primeiros meses de quarentena em 2020 foram até tranquilos. A renda caiu, achava terrível ficar parada, mas havia a expectativa do recomeço. “O problema pra mim foi quando começou essa coisa do ‘abre e fecha’. Quando alguém chegava e dizia: vai fechar tudo, eu sentia um aperto enorme no peito, me faltava o ar”.

Durante as crises de ansiedade, segundo Carla, o peito ‘se fecha’ e é como se a respiração parasse no meio. Os braços formigam e o suor frio escorre pelo corpo. “É uma sensação de morte”, diz ela.

Apoio familiar e profissional é única saída

A incerteza de como seria o dia seguinte, a próxima semana, se poderia trabalhar ou não, foi agravando os sintomas de pensamento acelerado. Para fugir da angústia que isso provocava, Carla começou a se ocupar limpando a casa até a exaustão. “A vontade era de sair correndo para fugir dos meus pensamentos”.

Mas nem mesmo a pia da cozinha brilhando de tanto ser esfregada podiam iluminar a escuridão que a envolvia em alguns momentos travando sua mente. Nem o cansaço dos esforços físicos que ela se impunha também não conseguiam espantar os pesadelos com monstros que a impediam de dormir.

Por sorte, quando os pesadelos se agravaram Carla já estava em tratamento, com medicação e terapia. O trabalho na loja também tem sido mais constante e isso ajuda a manter o equilíbrio. Mas, de acordo com ela, é impossível sair dessa espiral de crises sem apoio familiar, profissional e até espiritual.

Recuperar o equilíbrio emocional não é uma corrida de 100 metros, é mais uma maratona. Hoje, ela aplica técnicas simples que aprende na terapia para colocar o pensamento nos trilhos quando ele ameaça descarrilar. Como, por exemplo, pegar uma pedra de gelo e apertar por alguns segundos.

Importante destacar que cada caso é diferente e os tratamentos e técnicas devem ser personalizados pelos profissionais da área.

Cresce procura por terapia

Desde que a pandemia começou, há pouco mais de um ano, a psicóloga Bianca Vidigal, de São José dos Campos, São Paulo, viu dobrar a procura por atendimentos em seu consultório. Segundo ela, a maioria desses novos pacientes nunca havia feito terapia antes.

“Grande parte das pessoas que me procuram ultimamente vem em busca de ajuda para lidar com ansiedade e insegurança.” É aí que a avaliação profissional é essencial, porque ter ansiedade é normal, mas quando essa sensação vira um obstáculo para a realização de atividades corriqueiras, passa a ser transtorno de ansiedade e precisa de tratamento.

Uma grande variedade de fatores pode levar ao desencadeamento do transtorno de ansiedade. Personalidade, estresse profissional e disposição genética, são alguns exemplos.

Embora os sintomas de ansiedade possam mudar um pouco de uma pessoa para outra, o quadro geral tem muitas coisas em comum.

Bianca Vidigal, psicóloga 
Bianca explica que, além das emoções tumultuadas, como preocupações exageradas e medo intenso, às vezes sem um motivo aparente, como ocorreu com Carla, a parte física também costuma dar sinais de que algo não está bem. “A pessoa pode observar queda de cabelo, ter diarreias, tontura, palpitações. O corpo todo sente.”

Os lapsos de memória não são incomuns nos relatos de quem passa por crises de ansiedade. “É o desespero mental que leva ao lapso de memória, mas com o tratamento e a terapia, tudo volta a se equilibrar. Importante é que o tratamento respeite a individualidade, pois a ansiedade muda conforme o motivo da pessoa.”

A psicóloga explica que os pesadelos refletem o medo e a ansiedade com o que está por vir. A dificuldade da pessoa em planejar minimamente os próximos passos. E o planejamento, para a maioria, ficou muito difícil com a situação de pandemia.

Detox digital e pensamento positivo podem ajudar

Segundo Bianca, mesmo quem não ficou privado do trabalho e seguiu produzindo em home office, vem sentindo cada vez mais os efeitos de viver isolado. Desânimo e desmotivação, tornam as pessoas mais tristes e menos produtivas.

“O melhor remédio nesse caso é pôr uma máscara e sair pra dar pelo menos uma volta no quarteirão. Ideal mesmo é se programar para uma hora de exercícios diários; essa é forma garantida e natural de produzir endorfina, ocitocina e outras substâncias que nosso cérebro fabrica para garantir bem-estar.”

Bianca alerta ainda que qualquer mínimo detox digital também ajuda a manter a ansiedade afastada. Como por exemplo, não checar toda hora os grupos de mensagens e assistir menos noticiário. “Fuja um pouco das redes sociais. Tem muita coisa nelas feitas apenas para impactar negativamente.”

Para concluir, a psicóloga destaca um conceito que reconhece que é trivial, mas muito verdadeiro. “São os pensamentos que você mais rega e aduba que vão florescer. Então é importante focar em coisas boas e positivas, por mais simples que sejam.”

Carla segue firme em seu propósito de não perder nem mais um dia para o transtorno de ansiedade. Das recomendações médicas só uma coisa ela ainda não conseguiu incluir de vez na rotina: os exercícios físicos. E fala sério quando diz: “Como é que eu vou sair pra caminhar e deixar o banheiro sujo e a pia com louças?” Ok, rs, o caminho está no começo, mas o que importa é já ter começado.

Mulher, cabelos grisalhos, com óculos de armação vermelha
Maria D´Arc Hoyer é jornalista


Rosa: Photo by Natalie Breeze on Unsplash

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2 Comentários

  1. Texto muito importante nesse momento
    Detox digital está sendo necessário mesmo

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    1. Concordo, Aurora. Temos que fazer pelo menos uma curadoria pessoal para se manter informado e não ser intoxicado emocionalmente.

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