Joana D´Arc: vítima da conveniência

Joana D'Arc em uma estátua dourada, empunha estandarte, iluminada por luz indireta do sol, com prédios ao fundo

Hoje, 30 de maio é a data em que se comemora o Dia de Santa Joana D’Arc. Dela carrego com orgulho metade do nome, embora, vez ou outra, algumas pessoas me chamem de Joana por associação. Nem corrijo, afinal Maria e Joana são igualmente santas, embora não eu.

Mas voltemos ao tema e falemos de Joana D’Arc. A jovem tem uma das histórias mais singulares englobando política, feminismo, fé e muita força de propósito, palavrinha que anda na moda.

Não é pra qualquer um ganhar o comando de um exército aos 17 anos para libertar um país, após convencer um rei que estava incumbida de uma missão divina que lhe fora dada, por meio das vozes de São Miguel, Santa Catarina e Santa Margarida.

Fosse nos dias de hoje, pode ser que Joana D´Arc viesse a ser diagnosticada com alguma doença mental do tipo que faz ouvir vozes. Poderia ser tratada com remédios e até, quem sabe, internada em uma instituição, caso insistisse em falar com o mandatário principal da nação, vestir sua armadura e libertar a França.

Mas era 1.429 e nessa época se sabia ainda menos sobre os mistérios da mente humana, ou do espírito, caso você prefira. Como pouco se sabia sobre tudo, Joana D’Arc estava livre para criar seu propósito de vida. E foi o que fez. Conta a história de seu julgamento que, aos 13 anos, ela teria começado a ouvir vozes dos santos.

Caçula entre quatro irmãos, ela cresceu ajudando a mãe na casa e o pai no pastoreio e na lavoura. Mas queria mesmo era sair pelo mundo e lutar de espada em punho para defender suas convicções e crenças.

Sua missão na terra seria salvar a França do tormento em que vivia, lutando a Guerra dos 100 anos contra a Inglaterra. E o motivo dos ingleses reivindicarem o território era por não haver um sucessor legítimo, do sexo masculino, ao trono francês. A lei impedia que uma mulher assumisse o posto.

O próprio Carlos VII tinha dúvidas sobre seu direito ao trono, por conta da fama da rainha, sua mãe, de ser volúvel em questões amorosas. Enquanto esse rei inseguro e pobre vagava se escondendo pelo interior da França, a Inglaterra avançava em suas conquistas.

Somado a isso, a guerra civil corria solta, provocada principalmente pela divisão do país em duas partes. A França vinha de um período conturbado por assassinatos pelo trono e a covardia de governantes corruptos fazendo acordos com inimigos, para estender por mais algum tempo seus reinados de poder, inclusive na igreja.  

Foi por conta desse cenário que uma pirralha de 17 anos chegou ao rei da França com a ideia estapafúrdia de que era uma enviada divina para salvar o país e coroá-lo.

Quando Joana D’Arc dobrou seus joelhos diante do rei e afirmou que havia tido uma revelação de que ele era o herdeiro do trono, por direito, sendo, de fato, filho do falecido rei, Carlos VII deve ter pensado: perdido por um, perdido por mil. Por que não?

Ele aceitou a história de Joana e a encaminhou para uma avaliação da Igreja, que atestou sua virgindade e sanidade suficiente para comandar um exército. E lá foi ela.

Contar toda a história de suas batalhas aqui transformaria esse texto em um livro. Para resumir, Joana levou sua energia jovem e sua fé inabalável em seu propósito como injeção de ânimo para uma França combalida e praticamente rendida ao inimigo.

Só isso explica a arregimentação de tantos franceses à sua causa: que era basicamente coroar Carlos VII e dar unidade ao país, em nome de Deus. E foi o que ela fez.

Tendo começado suas batalhas em maio de 1.429, e vencido quase todas, em julho fez coroar o rei. Carlos VII que participara, por insistência dela, de parte da marcha do exército, logo após a coroação aparentemente buscou a segurança de um castelo e por lá ficou.

Joana seguiu na guerra, por quase um ano, mas se enredou em muitos lances de traições e inveja. Em sua trajetória, a jovem aldeã, sem berço nem fortuna, deixara pelo caminho comandantes frustrados por ver uma jovem mulher vencendo batalhas e arrastando multidões. Deixara também inimigos com títulos de nobreza vencidos e sedentos pelo seu sangue.

Em 24 de maio ela caiu em uma emboscada e foi presa, sendo depois vendida pelo duque de Luxemburgo, ao bispo de Beauvais, um dos inimigos que ela ganhou na guerra. Foi ele que a levou para a Santa Inquisição.

Sem receber ajuda do rei nem da população que libertara, Joana foi julgada e condenada e, por fim, no dia 30 de maio de 1.431, ardeu na fogueira, aos 19 anos.

E, tornando-se mais uma verdade tardia na história, veio a ser perdoada e ter sua reputação reabilitada em 1.456. Mais tarde ainda, em 1.920, canonizada e depois padroeira da França. Conveniência é o nome do jogo. 

Salve amigos, parentes e desconhecidos perdidos para a Covid-19, nessa guerra de conveniências que nada tem de santa.

Salve, Joana D'Arc. Nos livre da fogueira que não te poupou. 

Rosto de mulher de cabelos curtos, grisalhos, usando óculos de armação vermelha.
Maria D´Arc Hoyer é jornalista

Photo by Benjamin Massello on Unsplash

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