O pé de vento e o Saci Pererê

 Ilustração do Saci Pererê no centro de redemoinho, com flor dente-de-leão ao fundo

Dia desses, enquanto trabalhava ao pé da janela, computador estrategicamente posicionado para não perder a visita ocasional de uma borboleta ou besouro às plantas do quintal, um ruído repentino me fez levantar os olhos, institivamente.

Foi um farfalhar de folhas, um retorcer de galhos, um desassossego que durou segundos. Depois, silêncio.

Eu, por meu lado, perdi o fio da meada do estava escrevendo e fiquei a observar por uns instantes, a espera... sei lá do quê. Pé de vento é assim mesmo, dá e passa. Tira tudo do lugar, por graça, e deixa espalhado pra gente arrumar.

Mas acabei me lembrando da lenda que diz que o Saci Pererê viaja nos redemoinhos. Será por isso que se chama “pé de vento”. Um pé só, como o Saci?

Nessa mania de juntar uma coisa com outra, quando me deparei com algumas notícias lembrando que hoje, 31 de outubro, é o dia do Saci Pererê, me lembrei do pé de vento, da lenda e da saudade de ser criança e acreditar no Saci.

Se o destino permitir, capaz até de eu ter outra vez essa chance. De me sentar na varanda - qualquer varanda - e ficar a sorrir para o pé de vento, imaginando o Saci lá dentro, piscando um olho cúmplice pra velhinha-criança, que sempre teve uma queda por coisas encantadas. Tão mais bonitas que a dura realidade feia e ranzinza.

Saudade dos pés de vento que rodopiavam os campos, davam nós nos varais de roupas e espalhavam o cisco recém varrido, fazendo a minha avó esbravejar sacudindo os braços para o nada, impotente diante do invisível galhofeiro. Esses pés de vento parecem não existir mais.

No lugar deles, hoje existe a parede amarela e densa, quase palpável, formada pela cobertura de pó fininho, peneirado exaustivamente pelos arados modernos nos campos de cana-de-açúcar e algodão que rodeiam as cidades-planícies do oeste de São Paulo.

Paredes de poeira que não tem pé nem cabeça. Que não deveriam existir, mas foram pacientemente fabricadas ao longo de décadas e dormiam nos campos esperando o momento certo, quando seca, falta de cobertura vegetal e uma brisa mais forte se alinhassem para fazê-las se levantar.

E, com isso, fazer a gente sentir falta do pé de vento que era apenas carruagem do Saci. 

Maria D´Arc é jornalista

 


Postar um comentário

0 Comentários