A nova Rodovia dos Tamoios e a montanha violada

 

Túneis inaugurados na rodovia dos Tamoios, acesso ao litoral norte de São Paulo, no trecho de Caraguatatuba

Eu subi a serra pela nova Rodovia dos Tamoios, cruzando 12,7 quilômetros buraco adentro, em um portento de engenharia, na estrada que tem hoje o túnel mais longo do país, com 5,5 km. 

Apesar de toda a tecnologia envolvida, dificilmente, o percurso nos túneis deixa de causar uma certa claustrofobia e opressão quando nos vemos restritos àquele espaço reduzido e cinzento, mesmo salpicado de luzes de orientação e iluminação.

O rugir dos motores reverberando nas paredes me fez sentir falta do zunir do vento pelas janelas abertas do carro. Sempre gostei de curtir o ar fresquinho da serra, que ajudava a acalmar os estômagos mais fracos e permitia desligar o ar condicionado.

Minha viagem foi na última quinta-feira, primeira semana após a abertura da estrada. A chuva intensa e a neblina não permitiam sequer respirar fundo nos pouco metros abertos que fazem intervalos entre os quatro túneis. Quando saía de um túnel só via a bruma branca e espessa, reforçando a atmosfera de sonho (ou pesadelo).

Boa sinalização, pistas macias, exaustores poderosos, nada disso me fez esquecer o poder da montanha acima de mim. A montanha que o homem ousou violar de forma irreversível. A montanha com entranhas atravessadas de um lado ao outro, sem poder de escolha. Estaria ela conformada ou inconsolável? Tranquila ou vingativa?

Lá, dirigindo com muita vontade de sair logo do outro lado do buracão, mesmo sem medo algum, meu estômago se inquietava com pensamentos desse tipo. Minhas colegas de viagem filmavam e fotografavam o trajeto, em meio às nossas exclamações de surpresa a cada entrada de um novo túnel. Boa parte do percurso nos túneis contou com nosso silêncio reverente. Uma delas, inevitavelmente lembrou o filme sul coreano “O Túnel”, no qual um homem fica preso por dias, após um deslizamento de terra. Assunto que não recomendo para a travessia. 

Ao sairmos no planalto era tanta chuva, que a claustrofobia nos perseguiu por mais alguns quilômetros. A gente saiu do túnel, mas ele seguiu com a gente.

Pensando no trajeto pela serra, agora, antigo, eu já sentia falta do resmungo dos motores cansados da subida, das muitas mudanças de marcha - meu carro não tem câmbio automático - para enfrentar as reduções de velocidade, de calcular o tempo certo das ultrapassagens deixando os caminhões de escapamentos fumacentos para trás.

Sinto falta do ângulo de vista, à direita, da cachoeira que despenca da montanha. Filete branco ou prateado, conforme a luz. Cicatriz no manto verde escuro da mata.

Me faz falta até o friozinho na barriga ao encontrar um ônibus descendo em sentido contrário em uma curva e me ajustar com ele, cada um no seu espaço, a centímetros um do outro, para seguirmos nossas viagens.

Subir a serra dirigindo era vivenciar um montanha russa de emoções e tomadas de decisões curva após curva. Isso ficou para trás. Foi tudo engolido pelos túneis vorazes que reduziram pela metade o tempo de subir a serra.

É mais rápido, tecnicamente mais seguro, mas é mais escuro, mais barulhento, limitador. A imortal Lygia Fagundes Telles em um de seus escritos diz: "A distância mais curta entre dois pontos pode ser uma linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas .../..". 

Mulher de cabelos encaracolados e grisalhos, usando óculos.
Maria D´Arc é jornalista

 

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