Como nossos bichos de estimação se tornam eternos

 
Como nossos bichos de estimação se tornam eternos

Pingo partiu. Era idoso, foi acometido por uma doença grave e apesar dos esforços dos profissionais que o atenderam no hospital veterinário público, ele se foi. A médica que o tratou, vendo a comoção dos tutores, chorou com eles. Depois, mandou à família uma cartinha de despedida em nome de Pingo. Papel timbrado do hospital, assinatura com a marca da patinha; pode ser até uma rotina, mas, sem dúvida, conforta quem recebe.

E, certamente, disse tudo o que o cachorrinho diria, se pudesse olhar nos olhos de seus tutores uma última vez (a cartinha está no fim deste texto). Nós, os amantes de cachorros, sabemos que eles falam. Com os olhos, com o abanar do rabo, com grunhidos carinhosos, com a cabeça apoiada gentilmente em nossos joelhos e tantos outros gestos que transformam nossos dias, tornando-os mais leves.

Eu fiquei sabendo da linda história de Pingo - sim, é linda porque ele viveu e partiu amando e sendo amado - através de um amigo que a leu em uma rede social. Minha paixão pelos arteiros peludos é bem conhecida. Ele achou a história de Pingo comovente e, ainda, que ela poderia ser contada para mais pessoas.

Em meio a dias tão difíceis nesse mundão de meu Deus, falar de amor é uma dádiva e não pode haver amor mais puro do que esse ofertado a nós pelos bichos de estimação. E, lendo a despedida de Pingo com cisco nos olhos, foi impossível não me lembrar dos muitos amigos-cães que já passaram por minha vida.

Seriam muitas boas histórias para relatar, das mais tristes às mais divertidas, mas estamos falando aqui sobre partidas e incentivada pela cartinha de Pingo escolhi homenagear todos os meus pets com a história do primeiro animalzinho que tive, uma cadelinha pequinês, malhadinha de preto e branco, à moda de uma vaca holandesa.

Ela foi trazida a mim pelo meu tio Nêne. Um argentino bonachão e divertido, casado com a tia Nora. Bolinha foi o nome que dei a ela (sem julgamentos, rs, eu tinha sete anos e ela parecia mesmo uma bolinha de pelos quando chegou).

Bolinha foi minha primeira companhia de quatro patas e a alegria da infância de uma filha única - eu. Ela se aconchegava aos meus pés enquanto eu lia, me acordava de manhã encostando o focinho gelado em meu nariz, me esperava ao portão no horário em que eu voltava da escola. Juntas, vivemos a melhor vida que pudemos, até outubro de 1982.

Uma carona na cauda do cometa

Morávamos perto da escola em que eu estudava. Após uma curta caminhada, por volta das 22h30, eu a encontrava à minha espera, apesar da idade avançada para um cachorro; cerca de 13 anos. Minha mãe a deixava sair de casa, pois ela ficava inquieta quando se aproximava a hora do meu retorno.

Naquele dia, ela não parecia muito bem de saúde, mas quarenta anos atrás não havia acesso fácil às clínicas veterinárias para famílias que não tivessem dinheiro de sobra. Hospital veterinário público até hoje é coisa rara. Assim, não sabemos o que ela tinha. Só estava muito quieta e não queria comer.

Mesmo assim, perto da minha hora de chegar em casa ela foi para o portão como sempre. Porém, quando cheguei ela não estava. Por certo passou pelas grades e fugiu pela noite afora.

Angustiada, percorri as ruas próximas de casa procurando por ela. Nada. Quase não dormi e logo que o dia amanheceu voltamos a procurá-la. Nos dias seguintes continuei fazendo caminhadas em busca dela. Em vão. Passado algum tempo, fui perdendo a esperança e me conformando.

Na época, me disseram que os cachorros quando pressentem que vão morrer fogem de casa para poupar seus tutores do momento final. Na verdade, quando podem, eles fogem para se esconder respondendo ao instituto animal, somente. Mas eu me apeguei a isso para me confortar.

No dia em que ela desapareceu, a notícia em destaque no noticiário era a primeira observação do cometa Halley, em um telescópio poderoso do Observatório de Monte Palomar, na Califórnia. Gosto de pensar que ela pegou carona na cauda daquele cometa e voltou para casa, para o céu dos bichos de estimação. Eu não sei onde fica, mas acredito que Bolinha brinca por lá em campos floridos, junto com todos os meus outros cachorros que também já partiram, e, um dia quem sabe, nos reencontraremos. Talvez ela me aguarde no portão desse lugar.

Pingo também deve estar por lá agora à espera de seus tutores. Porque essa troca de tanto amor incondicional os faz eternos.

 

Como nossos bichos de estimação se tornam eternos

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