Enquanto fazemos planos

 

Bolo de aniversário, branco com detalhes dourados e  com topo escrito de repente 60

“O tempo voa” é uma das frases mais clichê utilizadas. Mas é também uma verdade irrefutável; o danado voa mesmo. E a culpa ou o mérito é do povo babilônio. Eles inventaram o relógio de sol e dividiram o período com luz solar em doze partes, guiando-se pela projeção da trajetória da sombra. E assim, surgiram as 12 horas do dia.

A depender das emoções humanas, no entanto, podemos ter a percepção de que ele vai mais lento ou mais rápido. Na juventude, com tanta vida a conhecer e em busca da nossa história para contar, não nos damos conta do tempo passando. Temos muito tempo pela frente, pra que a pressa? Aí, em um piscar de olhos, chega a maturidade e reverte as necessidades da alma. As crônicas de escritores como Ricardo Gondim, Jorge Luís Borges e Rubem Braga, sobre a preciosidade das horas ganham o sentido da profundidade. Ah, se eu pudesse viver minha vida novamente, trataria de cometer mais erros e roeria cada jabuticaba até o caroço...

E é assim, um clichê ambulante sobre a existência, que chego aos 60 anos. Número emblemático, idade datada pela sociedade, a definição de idoso, e, por consequência, em nossa cultura, de ultrapassado. Assim, é impossível escapar de uns momentos (alguns meio longos) de reflexão sobre todo esse chão percorrido.

Dia desses, uma amiga japonesa me contou que as seis décadas de vida são comemoradas no Japão com uma grande festa, onde o aniversariante se veste de vermelho e com muita animação brindam a longevidade e o novo ciclo.

Então, eu considerei por um instante fazer uma grande festa, comprar um vestido vermelho, convidar amigos e parentes e dançar uma noite inteirinha (se aguentasse, é claro). Mas sou meio dada à melancolias passageiras e elas me lembraram dos muitos abraços queridos, que me acolheram tantas vezes por prazer ou conforto, e não estariam na festa. Já passaram para o outro lado do caminho. A longevidade tem dessas coisas.

Mas, por favor, não se apresse aqui com as palavras de incentivo e consolo. Nesses momentos melancólicos eu acalento as dores das faltas, faço um afago nos cabelos desgrenhados da saudade e sigo em frente, porque entendo a dádiva de estar vivo.

É que essa história de que a vida é hoje e o passado não existe, não funciona pra mim. O passado é fonte de alegria, tristeza e referência para cada passo que damos. É um legado exclusivo de experiências. É lugar a ser visitado com o mesmo respeito que dedicamos aos museus. É história e é sua. Mas é apenas para visitar e não morar nele, ok?

Fazendo uma dessas visitas me dei conta que já escapei de um dos meus grandes medos da juventude. Era o pavor de chegar a esse ponto e não ter o que contar. De ao estar sozinha não ter memórias para me fazerem companhia. É reconfortante olhar para trás e ver a quanta coisa resistimos, quantas oportunidades tivemos para sorrir, fazer sorrir e ser feliz. E é por tudo isso que acolho minhas cicatrizes emocionais, minhas rugas e meus cabelos prateados, como testemunhas preciosas de tudo que me tornei com as experiências que me foram concedidas. Eu sou. Imperfeita, inacabada, aprendendo e seguindo.

Para comemorar escolhi me reunir, antes, durante e depois da data natalícia, com pequenos grupos de pessoas que me são caras. Com tranquilidade, de forma a saborear o som de suas vozes, rir como se fosse a primeira vez de piadas que elas já me contaram outras vezes e também contar-lhes novamente meus sonhos e projetos, com a calma de quem saboreia bolo de coco gelado e café.

É que esse negócio de... poxa, esqueci o que ia dizer, rs. Isso também faz parte dessa nova fase. Por questões de memórias e por falta de certezas. Uma boa ideia é virar coleguinha da tecnologia, porque você vai esquecer de um tudo. Tente pelo menos aprender a programar a Alexa ou o Gemini para que te lembrem sobre as tarefas e compromissos. Por que não? Nossa massa cinzenta merece um descanso e com toda certeza já contribuiu muito para que esses cérebros cibernéticos aprendessem algumas coisas.

E todas essas novidades me lembram é que, como disse John Lennon, enquanto estamos ocupados fazendo planos a vida acontece. 

Mulher, com cabelos curtos, crespos e grisalhos, usando óculos

Maria D'Arc é jornalista

 

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1 Comentários

  1. Linda reflexão, amiga, mas recomece a contagem. Temos todo tempo do mundo!

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