80 anos de uma coragem sertaneja

Bolo de aniversário vintage, decorado com pérolas de açúcar e topo de bolo do time de futebol Corinthians

Quis o andar da carruagem do tempo que a data do aniversário de 80 anos da minha mãe caísse no Dia dos Pais; função emblemática que ela, como tantas outras mulheres, assumiu para si na criação da filha. E nessas oito décadas transcorridas na estrada da vida desta mulher a palavra que melhor a define é sem dúvida:  resiliência. 

Criança, foi sobrevivente da alternância de farturas e faltas promovidas pelo ecossistema nordestino, que forja seus fortes testando-lhes a audácia de abrir os olhos para mais um dia onde, às vezes, tudo que haverá para viver é coragem. Dias em que até a esperança espia por uma fresta, sem bravura suficiente para sustentar quem quer que seja.


Depois, sobrevivente de um casamento tumultuado, aos vinte anos de idade, que durou apenas dez meses, mas lhe rendeu a filha, que aqui vos escreve, e a missão de ensinar o que nem ela mesma ainda sabia.


Sobrevivente também das consequências da escolha de criar a menina, praticamente sozinha, abdicando de outras possibilidades de relacionamentos em prol da segurança de ambas. E digo 'praticamente sozinha' porque não se pode esquecer o apoio incondicional da sua mãe, Luiza, e do seu pai, Vicente; sertanejo, pescador, agricultor e humano admirável, que, em sua simplicidade, transmitiu aos seus descendentes valores como responsabilidade e honestidade. E, convenhamos, pra que mais do que isso?


Ela foi sobrevivente ainda de julgamentos e conselhos tortos, para que deixasse de lado um pouco a família e fosse aproveitar a vida. Nesse ponto, acho até que exagerou um pouco. Poderia ter vivido mais leve, mas nisso ela não é muito boa. Avessa à festas, considera que mais de cinco pessoas juntas já é uma multidão e respeitamos isso, porém no 'parabéns a você' dos 80 anos, quebramos a regra e somamos dez pessoas (contando com ela).


Curiosamente - ou não - é a única representante atualmente de uma geração de catorze irmãos, dos quais nove tiveram vidas longevas. Ela assistiu a partida de todos, mas velhos e mais novos, e, embora isso a coloque triste em alguns momentos, não é pesar suficiente para quebrar a resiliência de seguir em frente. 


Com a sabedoria de que a vida em si é o presente, nas ocasiões em que os anos e as ausências pesam, ela se serve de uma taça de vinho, coloca uma música bem brasileira para ajustar o ritmo do coração movido a marcapasso e, assim, encara corajosamente mais um dia, que para ela é ainda melhor se tiver jogo do Corinthians com vitória. Pois é, ninguém é perfeito rs. 


Apesar de ser costureira, ela tem um pavor irracional de agulhas - aquelas para colher sangue das veias -, tem horror a lagartas e odeia frio. Fora isso, Amara traduz fielmente a frase tão famosa de Guimarãe Rosa: "A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem".


Mulher sorridente, de cabelos grisalhos e curtos, usando óculos de armação preta.
Maria D'Arc é jornalista

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1 Comentários

  1. Que texto gostoso de ler. Eu sou pernambucano, nascido e criado no interior. Minha avó, Dona Maria, atualmente com 83 anos, é a minha inspiração para não desistir. Ela tem uma história parecida com a da sua mãe. E viva as guerreiras nordestinas que insistem em nos ensinar.

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