Os sapatos pretos de Francisco

Papa Francisco acena ao povo, cercado por uma multidão de pessoas com celulares levantados
Photo by Ashwin Vaswani on Unsplash

Hoje, 21 de julho, faz três meses que o Papa Francisco morreu. Apenas três meses, mas o mundo tem girado com velocidade tal, que parece muito mais tempo. Não acha? São apenas 90 dias sem o homem que, em seu turno, reescreveu as normas do que se espera de um papa, ou pelo menos não se submeteu a elas. Assumiu um dos cargos mais importantes do mundo, sem abrir mão de sua personalidade e dos dogmas que defendia, especialmente, o maior deles: a simplicidade.

Por tudo que se sabe sobre o cardeal Jorge Bergoglio, ele não mudou quase nada em si mesmo para se ajustar à liturgia do papado; ao contrário, moldou as regras da Santa Sé ao modo franciscano de ser e, contra todas as expectativas, exerceu diuturnamente a difícil arte de renegar o ego, mesmo sob o peso de liderar uma instituição milenar como a Igreja Católica.

Com delicada firmeza dispensou rituais, símbolos de poder e status, conforto além do necessário e carregava a própria pasta de documentos. E fez isso exposto ao julgamento do mundo inteiro. Sendo também exemplo para o mundo inteiro, não só para os fiéis do catolicismo. 

Do cargo de papa ele aceitou o solidéu e a missão de conduzir a Igreja, com toda a responsabilidade política e religiosa. Mas nas questões pessoais, trocou o carro de luxo por um mais básico, a moradia sofisticada reservada aos pontífices, por um quarto mais austero na Casa Santa Marta, complexo hoteleiro onde se hospedam os cardeais e outros integrantes da Igreja durante visitas ao Vaticano. Além de mais simples, a moradia o deixava mais perto das pessoas, evitando um pouquinho da solidão do cargo.

Por fim, trocou o sapatos cardeais vermelhos, por um par de calçados pretos e comuns. O gesto me lembrou o livro “As sandálias do pescador”, de Morris West, que trata sobre intrigas de bastidores do Vaticano e sua participação nos caminhos da Guerra Fria e os temores de uma terceira guerra mundial.

Com seus sapatos pretos, Francisco resgatou a simplicidade de Pedro, o pescador de almas. A guerra, atualmente, não é mundial, mas também não é mais tão fria e, por isso, Francisco e sua coragem de ser fazem muita falta.

Ele resgatou a mensagem de humildade do Pescador em todas as oportunidades que teve e quando não as teve, as criou. Tinha consciência de que a igreja é terrena e falha, por ser conduzida por humanos que falham em suas escolhas e decisões apesar de toda boa intenção. E, talvez, se apegar à simplicidade tenha sido sua forma de se ver e ser visto como homem para além dos paramentos da instituição papal. 

Ao escolher ser enterrado na igreja de Santa Maria Maior, em vez da Basílica de São Pedro, ele expandiu o alcance do Vaticano para uma área sem muros. Novamente, escolhendo estar mais perto do povo.

Ainda assim a mensagem de Francisco, mesmo escrita e reescrita por tantos de nós, talvez não tenha alcançado suficientes corações.

Mas como é bom saber que nos dia atuais ainda podemos ver um homem simples como Bergóglio mobilizar multidões. Sua última viagem teve o caminho pontilhado por rosas brancas. Se pudesse escolher, talvez recusasse tanta homenagem, mas até sem querer, mostrou que é a humildade que faz alguém ser grande. Que os pequenos gestos, sem cerimônias, aproximam. Que os sorrisos encantam e promovem paz. Apesar de tudo que faz o mundo girar tão rápido hoje, tomara que sua mensagem perdure nos corações.

Foto do Papa: Photo by Ashwin Vaswani on Unsplash

Mulher sorridente, de cabelos curtos, cacheados e grisalhos e usando óculos
Maria D'Arc é jornalista


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